Há pessoas que vivem reclamando por estarem sozinhas, mas invariavelmente veem algum defeito naqueles que por elas se interessam: são velhos ou novos demais; teimam em gostar de pagode, de axé ou de clássicos; falam demais ou de menos; falta isso, sobra aquilo. Por que isso acontece? E será que é possível uma pessoa assim se libertar para enfim aceitar um amor?
Antes de mais nada, é preciso entender o que desencadeia esse tipo de funcionamento. Há muitas hipóteses, uma vez que a diversidade humana também é imensa. Uma delas a de que a pessoa se antecipe à rejeição que teme sofrer, ou seja, rejeita antes de ser rejeitada. Aí, conta uma mentirinha para si mesma, atribuindo ao outro os defeitos capazes de justificar seu afastamento. É possível que tema ser alvo de críticas.
Outra possibilidade é que ela se antecipe à frustração que acredita estar reservada para ela. Frustra-se (posição ativa), porque não suportaria ser frustrada (posição passiva).Sente-se magicamente fortalecida por inventar dribles para a rejeição e a frustração. Os motivos alegados sobra isso, falta aquilo) funcionam como “racionalizações” (termo proposto pela Psicanálise para descrever a modalidade de defesa envolvida). Lembra-se da fábula A Raposa e as Uvas? Ao falhar em alcançar o fruto desejado, a raposa racionaliza dizendo: “Ah, as uvas estavam verdes, mesmo”. Para tolerar a frustração, retira do objeto o glamour que o torna desejável. Com as pessoas aqui descritas dá-se algo semelhante: como poderiam desejar alguém que fala tanto, ou que gosta de música sertaneja? A fragilidade da argumentação denuncia o uso da racionalização como defesa.
Às vezes, o que explica o (pelo menos aparente) paradoxo, ou seja, a concomitância entre o desejo de ter alguém ao lado e o constante gesto de afastar possíveis companhias, é o fato de a pessoa estar em busca das figuras de apego que conheceu na infância (o pai, a mãe, um outro ente querido). Comparados com essas figuras, ou com a memória delas, os potenciais parceiros amorosos parecem insuficientes, incapazes, fracos, esvaziados dos atributos que caracterizavam os antigos objetos amorosos idealizados. Em situações assim, pode-se deduzir que as necessidades infantis não cederam espaço para os desejos adultos. Entra em cena o temor da pessoa de não ser amparada, protegida e amada como acredita ter sido nos primórdios de sua vida.
Problemas de autoestima também podem estar presentes: ainda que a aparência mostre o oposto, a pessoa não se sente completa ou possuidora de bons atributos e, em decorrência disso, não se sente merecedora de ter um parceiro ou parceira de vida. Afasta os possíveis candidatos para protegê-los de algo ruim — que vem a ser ela mesma. Por fim — e propositadamente nesta ordem —, pode haver o chamado perfeccionismo: a pessoa exige do outro o mesmo requinte e qualidade que exige de si.
Seja de que ordem for a explicação, o fato é que as pessoas acometidas por esse transtorno privam-se do privilégio de viver encontros significativos. Protegem-se numa solidão enorme, acreditando que assim sofrerão menos. Um trabalho de utoconhecimento, como a Psicoterapia,certamente é um caminho possível para a superação dessa enorme dificuldade.
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