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Revista / LEGADO

Irmã de Ayrton Senna transforma sonho do tricampeão em realidade: 'Continua sendo um exemplo’

Em entrevista exclusiva à Revista CARAS, Viviane Senna reflete sobre legado social do irmão e impactos do Instituto do Ayrton Senna no Brasil

Revista CARAS Publicado em 01/05/2024, às 13h00

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No início de 1994, ídolo lança o personagem Senninha, um garoto que adora o mundo das corridas - FOTOS: GETTY IMAGES
No início de 1994, ídolo lança o personagem Senninha, um garoto que adora o mundo das corridas - FOTOS: GETTY IMAGES

A história de Ayrton Senna (1960–1994) nunca teve um ponto final. Ao contrário, seus feitos e seu nome seguem ecoando após três décadas de sua partida. A grande prova disso é o Instituto Ayrton Senna, presidido por sua irmã, Viviane Senna (66). O piloto nunca escondeu o desejo de ajudar o Brasil a reduzir as desigualdades sociais e a criar oportunidades para as futuras gerações por meio da educação. Seu objetivo era que todos pudessem ser campeões em suas jornadas.

Meses após a morte, a família concretizou o sonho de Senna e, hoje, passados 30 anos da criação, os resultados e conquistas são tão relevantes quanto os feitos nas pistas: mais de 36 milhões de crianças e jovens impactados positivamente pelo Instituto. Tudo isso, somado à uma legião de admiradores que ajudam a eternizar a memória do herói nacional. “Em um momento com tantos desafios como os anos recentes, a mensagem de esperança e persistência deixadas pelo Ayrton são mais relevantes do que nunca, e seguem inspirando as novas gerações a superarem obstáculos e a sonharem com um futuro promissor”, diz Viviane, em entrevista exclusiva para CARAS.

– Qual maior legado de Senna?

– Muito além das conquistas nas pistas, o Ayrton deixou um legado que toca a história dos brasileiros. Ele deixou um conjunto de valores que são relevantes até hoje, com sua garra, determinação, foco, persistência, disciplina e profundo orgulho de ser brasileiro. Todos esses valores e atitudes se concretizaram no Instituto Ayrton Senna, que em 2024 completa 30 anos de existência. Por meio do trabalho do Instituto com a educação pública, crianças que antes não teriam oportunidades, puderam superar desafios como o analfabetismo e a miséria e criar novas histórias de sucesso. Muitas delas
são profissionais realizados, orgulhando as suas famílias e contribuindo para a construção de um Brasil melhor, que era um grande sonho do Ayrton. Em SP, Lewis Hamilton ganha retrato de Senna, seu ídolo. A irmã, Viviane exibe uma aeronave com tributo ao piloto. Com o então presidente FHC, em inauguração de fábrica.

– O Instituto é referência na área da educação. Que balanço faz dos trabalhos desenvolvidos?

– Em 30 anos de história, o Instituto atuou em todos os estados do Brasil e alcançou mais de 3000 municípios. Entretanto, a maior conquista vai além dos números. O Instituto introduziu paradigmas que trouxeram inovações para o setor social na época. Também nos comprometemos com a eficiência, já amplamente utilizada no setor empresarial, mas até então pouco explorada na esfera pública e no terceiro setor. Outra inovação: fundamentar nossas ações em evidências científicas. Estamos falando de uma mudança que não se limita a números ou estatísticas, mas que reflete na realidade diária de milhões de estudantes, educadores e famílias, evidenciando um legado que, acredito, seja a verdadeira essência de nosso trabalho. Um dos nossos marcos foi a contribuição para o desenvolvimento do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, índice fundamental para a avaliação da educação no País. Recentemente, ainda tivemos papel ativo na formulação da Base Nacional Comum Curricular, influindo, por meio de pesquisas, para que competências como foco, determinação, inovação, resiliência, colaboração e capacidade de trabalho em equipe fizessem parte do currículo nacional. Além desses marcos, nossa atuação se estendeu ao terreno prático, apoiando municípios e estados como Sobral, no Ceará; Teresina, no Piauí; e o próprio estado do Ceará, que hoje se destaca pelos seus resultados exemplares em educação

– Em relação ao Brasil, quais os maiores desafios educacionais a serem vencidos?

– A educação no Brasil ainda é bastante complexa: precisamos resolver problemas estruturais do passado, que ainda não foram superados, ao mesmo tempo em que não podemos perder de vista o que nos aguarda no futuro. Temos desafios ainda do século 19, como garantir que todos os estudantes aprendam a ler, escrever e calcular, ao mesmo tempo em que precisamos preparar os jovens para enfrentar desafios totalmente novos. No século 21, será preciso desenvolver capacidades que vão além do necessário até agora, mais habilidades como criatividade, resiliência, empatia, pensamento crítico... Portanto, é preciso com bater desafios históricos, como a alfabetização e combate à evasão escolar, ao mesmo tempo em que é preciso preparar as próximas gerações com habilidades necessárias para que possam navegar pelo século 21 com sucesso.

– Senna é um herói brasileiro e ídolo de gerações que nem chegaram a vê-lo nas pistas. A que credita a atemporalidade dele?

– O Ayrton era um homem de valores, e deixou valores como a garra, determinação, coragem e empatia como uma grande marca, que perdura até hoje na memória de todos. Na minha visão, o Ayrton tinha a imagem e expressão de um guerreiro, típico da figura do herói, que luta de todas as formas, com todas as forças, vence diversos desafios e ainda compartilha sua vitória com todos. Por isso, acredito que ele foi e continua sendo um exemplo inspirador para todos aqueles que, no Brasil e no mundo, lutam todos os dias contra enormes adversidades mas acreditam que podem chegar lá.

– Qual a maior lembrança de infância que tem ao lado dele?

– São muitas, mas uma marca constante era sua energia infinita. Ele estava sempre correndo para lá e para cá, com carrinhos ou sem eles, com amigos ou sem eles. O Ayrton estava sempre em movimento e acelerado, o que ocasionava inúmeros “incidentes”, como galos na cabeça, canelas roxas, coisas derrubadas pelo caminho, e assim por diante. Ele não parava nunca. Se fosse hoje, teriam rotulado o Ayrton como hiperativo e certamente ele seria medicado, o que seria um erro e ainda é hoje, já que uma grande maioria das crianças é apenas cheia de energia como ele era. Sem nada de anormal, são medicadas erroneamente. Foi essa energia toda que ele canalizou no kart e, depois, nos carros, e essa foi parte da razão dele se tornar o que se tornou. Ou seja, não era uma coisa a ser abafada com remédios, mas algo a ser reconhecido como parte das suas capacidades, e como tal, respeitada e canalizada. Foi exatamente isso que meus pais fizeram e Ayrton pôde se tornar o que se tornou.

– E qual a maior lição que aprendeu com ele?

– A não desistir diante dos obstáculos. Isso nós dois aprendemos de nossos pais.

– Hoje, ele estaria com 64 anos. Consegue imaginar como seria o ‘senhor’ Senna?

– Certamente estaria em movimento de alguma forma. Quando ele vinha para o Brasil no final do ano, após o término do campeonato, ‘descansava’ andando de jetsky o dia todo, correndo, esquiando no mar ou em qualquer outra atividade. Ele também estaria dedicando mais tempo ao Brasil, pois expressou essa conexão o tempo todo durante sua carreira por meio de suas falas e ações, como com as cores de seu capacete ou ao levantar nossa bandeira, compartilhando a vitória com todos os brasileiros, ou ainda através do desejo que chegou a expressar antes do acidente de fazer algo para ajudar o Brasil, sobretudo as crianças. Desse sonho de sua profunda conexão com o Brasil nasceu o Instituto Ayrton Senna, que nós, da família, criamos após sua morte. Ele certamente estaria dedicando tempo a esse sonho de ajudar a construir um País melhor.

– Ao falar sobre ele, qual sentimento vem ao coração?

– Amor, saudade e gratidão pelo exemplo de vida, legado de valores e realizações, dentro e fora das pistas.

– Hoje, se pudesse encontrá-lo, o que diria?

– Valeu Ayrton! Porque como diz o ditado, palavras inspiram, exemplos arrastam.  

FOTOS: GETTY IMAGES