ENTREVISTA

Kate Hansen explora a renovação diária no teatro: 'Nova chance de fazer diferente'

Em entrevista à CARAS Brasil, Kate Hansen comenta sobre interpretar protagonista madura em 'O Mergulho no Mistério Dela' e faz reflexão acerca do teatro

Bárbara Aguiar, sob a supervisão de Arthur Pazin
Nicole Puzzi e Kate Hansen, protagonistas de O Mergulho no Mistério Dela - Divulgação/Gal Oppido

Em cartaz em São Paulo com a peça O Mergulho no Mistério Dela, Kate Hansen (68) dá vida a filósofa aposentada Cibele, que, junto a ex-atriz Maiara, interpretada por Nicole Puzzi (66), entra em uma reflexão profunda sobre memória, amizade e maturidade feminina. Em entrevista à CARAS Brasil, Kate fala sobre o espetáculo e revela que explora a renovação diária no teatro: "Nova chance de fazer diferente", declara.

Reflexões sobre a vida e os palcos

Kate compartilha que viver Cibele tem sido um processo de acessar suas próprias vivências. As emoções íntimas exibidas pela personagem na peça são uma mescla do texto profundo de Leilah Assumpção (81) com o que a atriz guarda em si. “Acesso o meu próprio percurso, de toda uma vida, das relações de amizade que se deram, das emoções que têm origem na minha própria infância, passando pela contracultura e me colocando nessa posição de feminilidade hoje, ontem e amanhã”, afirma.

A atriz ressalta que anos de trabalho com diretores como Zé Celso (1937-2023) e Marcelo Drummond (61) ampliaram sua visão sobre o teatro: “Pensando em termos teóricos do processo da atriz, acessar as suas emoções é o que propõe Stanislavski no seu método. Também devo dizer que, com meu percurso com Zé Celso e com as direções do Marcelo Drummond, tudo tem uma dimensão mística e intuitiva”.

Silêncios e significados

Os textos de Leilah Assumpção, autora da peça, são conhecidos por sua riqueza nas entrelinhas, onde o não dito ganha tanto peso quanto as palavras. Para Kate, essa característica exige um trabalho delicado em cena:

"Trabalho a intensidade do silêncio indo na direção do texto e buscando seus sentidos profundos a cada cena. Nesse movimento, o que são as entrelinhas, aparecem na sua importância organicamente. Talvez o barato seja justamente que os significados ocultos estão sempre presentes e às vezes assumem o primeiro plano emergindo parcial ou completamente", reflete.

No espaço do Teatro Oficina, tão significativo para as artes brasileiras, Kate mergulha em uma nova possibilidade a cada dia. “O Teatro interage com a vida, está muito ligado ao momento presente. A atriz está sempre sobre a corda bamba que é contar aquele mesmo texto no vivo de cada dia. Uma nova chance de fazer completamente diferente”, diz Kate, destacando como o teatro é uma arte de renovação diária.

Estereótipos e barreiras

Ao abordar temas como sexualidade, solidão e desejo em mulheres na terceira idade, O Mergulho no Mistério Dela desafia padrões culturais e sociais. Para Kate, o teatro contemporâneo é um reflexo do momento presente, interagindo com mudanças sociais e políticas: “Hoje esses temas estão sendo muito mais discutidos socialmente, politicamente e, como também estamos fazendo agora, nas mídias. A capacidade de provocar, ao que me parece, é a vocação do teatro”.

Ainda assim, a atriz reconhece as barreiras enfrentadas por mulheres maduras nas artes cênicas, mas acredita que a idade pode oferecer uma liberdade única. “É uma coisa dinâmica e de alguma maneira até vinculada. Se, por um lado, há mais barreiras, por outro abre-se a possibilidade de quebrá-las ou mesmo estar para além delas num exercício de mais liberdade”, afirma.

Passado e futuro

Na peça, o nascimento da neta de Maiara é um momento simbólico de renovação e continuidade, que, na visão da intérprete, captura a essência da vida: “É a vida que se renova, sempre. Agora, se uma nova chance ou completamente diferente? Mistério”, instiga.

"O teatro está ligado à dor e à delícia de estar sempre presente, como é a vida. No espetáculo, como na vida, as memórias são mobilizadas e ressignificadas por uma percepção que nos move hoje", comenta a atriz sobre aproveitar os novos começos e refletir acerca do que foi vivido.

Com uma longa trajetória nos palcos, Kate encontra nos novos trabalhos uma constante fonte de desafios e descobertas. “Cada trabalho é um universo, assim como cada personagem. Esse é o grande desafio de sempre: se aproximar do desconhecido e ir descobrindo o que dele existe em você e vice-versa, até que ele e você se confundam, dando vida a personagem”, conclui.

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Bárbara Aguiar, sob a supervisão de Arthur Pazin

Bárbara Aguiar é jornalista em formação pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Amante de atividades culturais e entretenimento, ela escreve para a Caras, Contigo! e atua como diretora de Comunicação Visual na Jornalismo Júnior da ECA/USP.

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