Certas pessoas amam tanto amar que se esquecem do objeto de seu amor

Redação Publicado em 08/11/2011, às 12h32 - Atualizado em 08/08/2019, às 15h43

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Os estados subjetivos experimentados por quem ama são altamente mobilizadores, cheios de intenso movimento e em geral prazerosos — a menos, claro, que essa vivência tenha o sabor sofrido da paixão não correspondida, do amor impossível, da dor pela perda do objeto amado, ou algo assim. Quando a situação é favorável, quem ama se sente preenchido pelo que tem de melhor. Justamente em razão disso, corre um sério risco: o de se apaixonar pelo estado amoroso experienciado, perdendo de vista aquele ou aquela que crê amar. A pessoa, nesses casos, ama amar, mas nem sempre o parceiro se beneficia desse amor.

A experiência subjetiva de amar corresponde ao despertar de funções até então silenciosas, ainda que potencialmente disponíveis. O amor retira a pessoa dos parâmetros em que ela se encontra imersa e inaugura um novo modo de ser. É o nascedouro de uma dimensão do “eu” até então desconhecida, porque ainda não exercida. O amor imprime à personalidade uma vitalidade incomum, uma prontidão, um encantamento. Todas as áreas da vida repentinamente passam a ser avaliadas como muito positivas. O mundo, enfim, assume aos olhos de quem ama o colorido que preenche a alma do amante, como se refletisse a imagem de sua subjetividade em estado de plenitude, magia, sensualidade, ternura, força e disposição para viver.

Cabe indagar, no entanto, qual é o lugar que tem o outro, o objeto do amor, nesse enredo. Frequentemente o outro é mesmo o promotor do movimento amoroso, o estímulo que desencadeia a resposta amorosa. Mas às vezes essa resposta é tão forte que o suplanta. A pessoa fica tão superlativamente avassalada pela vivência de amar que já não tem mais contato humano e verdadeiro com aquele ou aquela a quem supostamente seu amor se destinaria.

Se o destinatário desse tsunâmi amoroso tem a capacidade de estranhar o que vem em sua direção, tudo pode se acertar. Para isso, é necessário que ele não perca a sensatez, que dedique ao outro um amor maduro, alicerçado num autoconhecimento seguro e numa abertura tranquila para a inclusão do ser amado na sua vida, nas suas emoções. Se, diferentemente, ele sofre da mesma dificuldade do amante, o resultado é um dramalhão: ambos ficam identificados com uma parcela de si mesmos que percebem no outro: justamente o paradisíaco estado de apaixonamento. Ou seja, nenhum dos dois será capaz de ver o outro, seus olhos estarão eclipsados por sua própria subjetividade. Com o passar do tempo e o aquietamento do movimento amoroso, acabarão se dando conta de que o objeto real e a imagem idealizada não coincidem. Então, dois desenlaces são possíveis: num extremo, a paixão se transforma em amor, quando cada um passa a conhecer o outro e a experimentar por ele um novo sentimento, mais seguro, mais sadio, mais compatível com a realidade; em outro extremo, a frustração da expectativa idealizada pode resultar em decepção, dor, ódio, tristeza, sentimento de perda, de traição (de ter sido traído pelos próprios olhos), ressentimento e desespero.

Mais comum do que se imagina, essa predisposição para amar com maior intensidade o amor do que o objeto dele pode ter sua origem nas matrizes amorosas da pessoa, na qualidade dos vínculos a que ela foi apresentada desde pequena. A psicoterapia é um bom caminho para ajudar na sua superação.

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