Quase ninguém discorda de que é agradável conviver com pessoas bonitas e atraentes, mesmo que superficialmente. As formas harmônicas e simétricas despertam misterioso fascínio em homens e mulheres. Muitos não resistem a um rosto ou corpo bonito. Apaixonam-se. E correm o risco de se decepcionar.
Não foi por acaso que surgiu o dito popular “Beleza não põe mesa”. Ele talvez se refira à sobrevivência do casal, da família, mas esconde alertas diversos, afinal outros requisitos são indispensáveis para a sintonia amorosa.
Claro que o conceito de belo não se aplica apenas à estética — podemos encontrar, por exemplo, um “belo caráter”! Mas beleza ligada a valores é um luxo. Algumas pessoas costumam se apaixonar por homens e mulheres apenas bonitos fisicamente e ficam tão encantadas por eles que parecem convertidas, numa submissão quase religiosa: o culto ao Belo.
Não é de hoje que é assim. Ao longo da História frequentemente se vinculou, de maneira mágica, a boa aparência a outras qualidades ligadas ao conceito de “Bom” — como se a beleza fosse uma espécie de garantia sobre outros aspectos da pessoa. Não é.
Mesmo quando essa distorção não acontece, o belo ainda entorpece e paralisa: a mitológica Helena de Troia é exemplo de uma beleza estonteante que teria provocado terríveis guerras e estragos. Seu marido traído, Menelau, armado e vingativo, chegou a ameaçá-la, mas, subitamente, viu-se paralisado diante de seu belo seio.
Em seus estudos sobre o narcisismo, Sigmund Freud (1856-1939) insistiu em que as mulheres bonitas exerciam fascínio sobre os homens não só pela beleza, mas também devido à combinação de traços psicológicos que são associados a ela (exibicionismo, altivez, egoísmo). Essa combinação de beleza com o jeito de ser foi reafirmada agora por pesquisa feita pelas Universidades de Madri, Barcelona e Edimburgo. Após comparar fisionomias e fazer testes com voluntários, os autores concluíram que os abençoados com traços simétricos e atraentes eram os mais egoístas.
Gente assim atrai pessoas que renunciam a uma parte de seu próprio narcisismo e estão em busca do amor, ou, enfim, precisando de alguém para admirar e preencher a própria falta de brilho. Amar mulheres e homens bonitos e narcisistas, porém, pode gerar desencontro e decepção: eles e elas amam só a si mesmos, gostam é de ser amados e colocados no centro das atenções. Não se ligam nas necessidades alheias.
É bom, portanto, evitar o fascínio desmedido pela beleza. Mas ele também não pode ser substituído por um desprezo invejoso — por exemplo, vendo nos belos apenas uma “propaganda enganosa”. Tom Jobim (1927-1994) estava certo quando compôs os versos de sua Garota de Ipanema — “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça...”. A beleza é bemvinda. Contudo, pessoas agraciadas pela sorte de tê-la não estão livres de precisar crescer para além das aparências, sob pena de se tornarem parasitas de seus dotes físicos e, portanto, estagnadas. E os que se encantam ingenuamente com elas devem ficar conscientes de que outros traços não tão lindos assim — ou até feios! — podem coexistir com a beleza, fazendo-os sofrer, até o momento em que descubram sua ilusão.
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