Em casa, o ator fala sobre crise, medos e vitórias
ParaDiogo Vilela (57), casa não deve ser apenas decorada, mas emocionar. “Tudo aqui tem história”, orgulha-se ao falar sobre os inúmeros objetos e fotos que realçam sua vitoriosa trajetória e enfeitam o apartamento onde mora em Copacabana, Rio. O ator, um dos mais premiados do teatro brasileiro, vive momento de festa: está comemorando 45 anos de carreira cheio de projetos. Diogo, que estreou na TV com 12 anos, na novela global A Ponte dos Suspiros (1969), gosta de refletir sobre sua vida e carreira. Em cartaz no Rio com Sim! Eu Aceito!, musical da Broadway que acompanha um casal por 50 anos, no qual divide o palco com Sylvia Massari (67), avalia que o texto ajuda nas buscas existenciais. Introspectivo, caseiro, não esconde certos temores em relação ao futuro. “Será que vão me respeitar, um velho ator? Se não for ao encontro do que todo mundo exige, serei rejeitado? É meu único medo, o de ser eu mesmo e não ser aceito”, justifica, ciente de que tudo muda rapidamente: “O mundo não é para os tímidos. Não mais”. “Tentarei me adaptar ao mundo atual. Mas não vou virar uma pessoa que não sou.”Lembranças da vida, como o quadro azul do amigo dramaturgo Vicente Pereira, decoram a sala. Leitura no quarto com a poodle Lili.
– Como está se adaptando?
– Estou tentando. Passei por uma crise muito forte após os 50 anos. Morreu meu pai, minha mãe e, ano passado, minha irmã mais velha. Foi um baque. Vi que estava prestes a começar a envelhecer em um momento que há uma ansiedade pelo perpetuar, pelo eterno. Ninguém tem mais questionamento. Todo mundo quer ser sempre jovem. Não me identifico com certas coisas hoje, como estar sempre maravilhoso, lindo, alegre. Onde está a tristeza? Não acho que o mundo moderno tenha melhorado as vidas no sentido de ser menos trágica. Pelo contrário.
– Mas o que acontece?
– As pessoas ficaram sem saco, preferem se comunicar com fotos, símbolos, bonequinhos, do que falar o que sentem. Mandam carinhas expressando sentimentos. Os primatas eram assim, tinham símbolos nas pedras. Estamos com um novo código social de relacionamento. Mas acho que a gente não pode deixar de defender o processo e os questionamentos mais intrínsecos senão vai haver esvaziamento da pessoa, da troca. O mundo hoje é assertivo, não se pode errar. Isso pode gerar uma depressão. Mas vou tentar me adaptar. Só não vou encanastrar. Não adianta virar uma pessoa que não sou. E continua existindo gente querendo se aprofundar, questionando. Não é todo mundo que está querendo esse mundo.
– Como vive seu dia a dia?
– Tenho um temperamento mais quieto e tendência para o isolamento. Não que eu não goste das pessoas, convivo com muita gente, mas gosto de pensar, ler, ficar em silêncio. Sou recatado. Mas de fácil acesso, minha personalidade não impede que eu chegue aos outros. Mas procuro me adaptar para não ficar anacrônico. Vou abrir uma conta oficial no facebook pelos 45 anos de carreira, por exemplo. É uma maneira de fazer isso com honestidade.
– Como vê sua trajetória?
– Saí de casa com 17 anos para viver de teatro. Morava em vaga. E me acho, de certa forma, vitorioso porque vim do nada. Demorei 30 anos para ser alguma coisa. Então, pretendo fazer grandes espetáculos ainda. E ter na TV desafios que tive no teatro. Miguel Falabella escreveu um personagem maravilhoso para mim em Pé na Cova. Era tão estranho que até acharam que eu fiz plástica. Sou soldado da profissão, metódico. Não como carne vermelha há 40 anos, malho, não bebo, não fumo, durmo bem. Tenho as melhores condições para criar meus tipos. Posso mostrar uma cara diferente da minha. Nunca fiz nada igual na TV. Isso me deixa feliz. Estou sempre querendo melhorar.
– Essa polêmica incomodou?
– O que me incomoda é quando não é verdade. Fiz um personagem excessivamente maquiado porque é uma crítica à cirurgia plástica. Mas já fiz lipo e, se julgar que preciso, posso fazer uma correção. Às vezes, isso não é para retomar a juventude, mas para se sentir melhor com a velhice. É diferente. Mas não fiz. Não tenho botox na cara. Qualquer artista conservado as pessoas acham que fez plástica.
– E como encara o envelhecimento? Algum medo?
– Não, passei por várias crises. Acho que existe um paradoxo. Você envelhece, mas fica com satisfações mais simples, menos exigentes. E isso é muito bom. Relaxa. Velhice é desmistificar e desapegar, até morrer. Acredito na finitude. Sou budista há 20 anos e espiritualista. Leio salmos, sou cristão e adoro religiosidade. E agora vou entrar para grupo de meditação. Nesse mundo com violência ímpar, o negócio é ter seu interior preservado. Não existe cirurgia plástica para o interior.
– Em Sim! Eu Aceito! você faz um homem que fica casado por 50 anos. Mas na vida pessoal optou por um caminho diferente...
– Adoro fazer o marido, viver o que não vivi ainda, crises, casamento, filhos. Isso me entusiasma. É como se fosse uma encarnação. Personagens são sombras do nosso inconsciente, mas sempre volto para meu ponto natural, eu mesmo. Tive relações, pessoas ficaram, mas não nasci para ser casado. Infelizmente. Talvez não tenha dado oportunidade. Terminei vivendo muito para a profissão.
– Como vai comemorar os 45 anos de carreira?
– Um privilégio incrível. Talvez remonte Cauby in Concert. E venho escrevendo bastante. Criei quatro peças, uma delas, sobre Ary Barroso, encenei há 2 anos. Pretendo montar as outras também. E tenho roteiros para cinema. As pessoas falam que eu escrevo bem, isso me deixou feliz. Estão sendo avaliados. Quero que tudo chegue ao público. É assim que comemoro.
– Olhando para tudo, é feliz?
– Muito. Minha mãe morreu preocupada comigo. Achava que eu era muito arredio, desde pequeno. E falou que estava preocupada de eu ficar só. Mas hoje, para mim, a solidão não existe. A pior solidão é a de quando você está acompanhado. Isso é terrível. Adoro ficar aqui, com minha cachorra, em estado de reflexão. Sou feliz e o meu único medo mesmo é o de não ser mais compreendido.