Em entrevista à CARAS Brasil, atriz Regina Braga fala sobre experiência de encarnar as sensações de São Paulo em peça homônima sobre a capital acompanhada de samba
Regina Braga (77) encerra neste domingo, 30, no Instituto Tomie Ohtake, a nona temporada de São Paulo, peça com direção de Isabel Teixeira (49), em que a atriz “persegue” a capital paulista por meio de um passeio histórico e de memórias apaixonadas.
Em entrevista à CARAS Brasil, Regina Braga fala sobre a concepção do espetáculo, que se originou há muitos anos , fruto de sua relação com a metrópole e analisa a recepção do público com a peça, principalmente após a pandemia.
Segundo Regina, a ideia de mostrar sua paixão por São Paulo surgiu há pelo menos 16 anos, quando ela atuou ao lado de Isabel Teixeira em uma peça de Bruno Barreto (68) no Teatro Frei Caneca. “Eu vivia cantando a música de São Paulo e a nossa amizade começou falando muito desse espetáculo que eu faria um dia”, relembra a atriz.
Com o tempo, Regina recorda que Isabel acabou se mudando para a França, enquanto ela anotava tudo que lia e achava interessante sobre a cidade em um caderno. “Até que uma hora bateu uma vontade de fazer, mas eu tava sentindo que eu sozinha não estava conseguindo fechar esse roteiro e eu sonhava com a Bel”, conta.
'DE CORAÇÃO ABERTO'
Disposta a tirar sua ideia do papel, Regina Braga chegou a procurar até mesmo a amiga carioca Zélia Duncan (58) para uma parceria. No entanto, em um contato com Isabel Teixeira, a surpresa de que a amiga voltaria a morar em São Paulo rendeu um convite, aceito, segundo Regina, “de coração aberto”.
“Ficamos em casa um mês, todo dia sentadas, juntando essas partes, buscando outras e começamos a mostrar para amigos, inclusive alguns bem entendidos da cidade de São Paulo. Mudei, acrescentei muitas coisas, chamei pessoas envolvidas, citadas, fizemos leituras na Casa Mário de Andrade, na Biblioteca Mário de Andrade, na Casa das Rosas. Cada lugar que fazíamos ganhava acréscimos...e pitacos”, relembra.
E assim, Regina marcou a estreia de São Paulo para 12 de março de 2020, no Teatro Unimed. A primeira morte em decorrência da Covid-19, no entanto, fez com que o local fosse o primeiro teatro a fechar por conta da pandemia. “Tristeza horrível para mim. A duas horas da estreia cancelamos”. Dois anos depois, com a flexibilização da pandemia, a atriz conseguiu finalmente levar ao público sua proposta.
“Não chegava a ser um espetáculo, tínhamos o público de máscara, os músicos, o texto na frente, nossos ensaios foram apresentados e ali foi se fazendo o espetáculo”, recorda. Para Regina, a apresentação consolidada em si só veio a acontecer na segunda temporada, no Teatro Itália.
AFETO E SAMBA
Para acompanhar São Paulo neste passeio histórico proposto por Regina Braga em uma peça “viva”, memórias reflexivas e afetivas fazem das lembranças as verdadeiras paixões da artista em cena pela cidade.
“Qualquer informação no seu lugar altera o seu afeto sobre o seu lugar, à medida que você vai estudando, você vai se relacionando com ele de uma forma mais próxima”, analisa a atriz, que revela sentir uma mudança com a capital paulistana após o trabalho.
“Ele toca de uma forma afetiva e informativa e as pessoas sentem a partir de ver o espetáculo que são incentivadas a olhar mais a cidade e a buscar. Quando passam em tal lugar se lembram que passaram em cima de um rio, por exemplo”, pontua.
A fim de rechear este combo de informações com musicalidade, Regina Braga se vale de uma paixão pessoal: o samba. O ritmo acompanha sua saga no palco do início ao fim com a presença dos músicos Alfredo Castro, Gustavo de Medeiros, Xeina Barros e Vitor Casagrande.
“Eu não vivo sem samba. Eu adoro. E isso tem muito a ver com o trabalho do Zé Celso [Martinez Corrêa] que dá tanto valor para a música. Ele tem um depoimento no piano que ele fala que desde pequeno tem uma coisa que quer sair pela voz e eu tenho que trabalhar muito a voz antes de entrar no palco, é uma forma muito poderosa para mim de trabalhar, me traz presente trabalhar a voz, é uma coisa que sempre fiz muita questão para trazer essa voz para onde eu quiser”, explica.
A CIDADE EM CENA
Para situar-se dentro da “Selva de Pedra”, Regina Braga surge em cena encarnando a cidade de São Paulo. “Eu encarno várias sensações da cidade e eu tive a consciência disso pelo meu filho”, conta Regina referindo-se ao atorGabriel Braga Nunes (51).
“Quando eu estava fazendo uma das primeiras leituras, o Gabriel veio em casa e falou ‘nossa mãe, você faz a gente se comover pela cidade como se fosse uma pessoa e fiquei muito feliz porque tem tudo a ver com a concepção da Bel: você é um ser abstrato que encarna a cidade e os sentimentos da cidade’”, revela.
Segundo Regina, ao assistir à peça, o público costuma compartilhar que a atriz fala pelas pessoas. “Eu amo, não amo, eu amo essa confusão emocional que a gente sente em São Paulo, porque você não pode falar ‘ai que lindo, eu acho bonito isso em São Paulo, mas ao mesmo tempo eu amo”, reflete a atriz, que para compor a peça se apoia em frases de obras como A Capital da Solidão e Vida e Morte dos Bandeirantes.
Paralelo a isso, Regina coloca em sua boca colagens de muitos outros textos e “se dá o luxo” (como ela mesmo se refere) de inserir referências ao longo da peça, como o acréscimo ao trecho que cita o parque do Rio Bixiga após a morte de Zé Celso e a história de Santo André, contada durante a temporada do espetáculo na cidade vizinha.
POR QUE 'PERSEGUIR' SÃO PAULO?
Questionada sobre a "perseguição" a São Paulo, Regina Braga traz à conversa sua referência ao compositor e cantor Itamar Assumpção (1949-2003). "São Paulo sou eu. Eu não me amo, eu não me amo, mas eu me persigo, eu persigo São Paulo", responde a atriz, que se justifica logo em seguida: "Não é exatamente amor: é uma identificação absurda e e este texto forte expõe a ambiguidade que a gente sente por São Paulo".
Além da referência ao cantor, Regina também se completa ao fazer alusão a um texto de seu marido, o médico e escritor Drauzio Varella (80). "É fácil você gostar do bonito, do acolhedor. Você estar numa linda São Paulo segura à beira-mar com flores é muito mais fácil você identificar amor. E São Paulo você sente que você é mal tratado, você não gosta. Por outro lado aqui está cheio de flores, de passarinhos e se até eles ecolhem estar nesse inferno, por que não eu? A gente ama de um jeito esquisito. Aqui não é moleza, não é facil pra ninguém, é difícil amar!"