Em entrevista à CARAS Brasil, Carol Botelho, Bhener e Cadu Libonati, trio que protagoniza Rio Uphill, falam sobre diversidade e representação nos palcos
Publicado em 11/02/2025, às 11h30
Em cartaz em São Paulo até o próximo domingo, 16, Carol Botelho (31), Bhener (29) e CaduLibonati (30) fazem parte de um elenco que leva a variedade do Rio de Janeiro para o palco paulista com o espetáculo Rio Uphill - Um musical de amor, união e esperança. Em entrevista à CARAS Brasil, os atores refletem sobre a mensagem do musical: "Autenticidade e diversidade", destacam.
No centro dessa história estão Júlia, Miguel e Daniel, personagens vividos, respectivamente, por Carol Botelho, Bhener e Cadu Libonati, que transitam entre o amor, as barreiras impostas pela sociedade e os desafios de quem vem de mundos opostos, mas se encontra na busca por algo maior.
Para Carol, interpretar Júlia, uma jovem determinada que precisa driblar as adversidades da vida para seguir em frente, tem sido um desafio enriquecedor. A atriz sente o peso da responsabilidade ao dar vida a uma personagem que representa tantas meninas brasileiras e reconhece a importância desse protagonismo no teatro musical.
"Dar vida à Júlia é dar voz à história de milhares de meninas no Brasil e, justamente por isso, tive um profundo cuidado e muito respeito em cada detalhe da construção dela", explica. Segundo Carol, ser mulher, não-branca e periférica significa lutar diariamente por espaço e reconhecimento:
"Lutei contra o desconforto em espaços que invalidavam a minha existência e tive que desenvolver uma série de estratégias pra conquistar meu espaço com dignidade, principalmente dentro da minha profissão. Talvez por isso tenha escolhido ser atriz. Pra me lembrar o tempo todo que 'estou aqui' e posso ser o que eu quiser. Que existo. Que tenho voz".
A história de Júlia é um espelho da realidade de muitas mulheres, e Carol buscou inspiração na trajetória de sua mãe e avó para compor a personagem. "Dentre muitas inspirações que tive pra Julia a maior delas sem dúvidas foi a minha mãe. Ela foi a primeira pessoa da minha família materna a chegar até uma faculdade. Se formou em fisioterapia. Só pude ter os acessos que tive graças a ela (e meu pai). Me conectei muito com a história dela, da minha avó e toda força, resiliência, garra e sabedoria que vem das mulheres da minha família", conta.
No musical, Júlia se envolve com Daniel (Cadu Libonati), um jovem que é amigo de seu irmão, Miguel (Bhener), mas vem de uma classe alta e tem um mundo de privilégios à sua disposição. A relação entre os dois escancara as diferenças sociais e os desafios de um romance entre pessoas que vêm de universos opostos.
"Pra mim a Julia é uma menina 'do corre', 'prática', ela não se vitimiza pelos desafios e adversidades que aconteceram na vida dela. Ela sente, mas segue em frente. Ela trabalha, estuda, tá sempre ali envolvida nos acontecimentos da família. Existe uma urgência interna nela. Um estado de alerta. Busquei trazer isso muito no corpo dela. O olhar desconfiado também quando conhece o Daniel. Tem um encantamento e muita paixão, mas também um mistério. Existe uma tensão entre esses universos tão diferentes que eles pertencem", diz Carol.
Cadu reconhece que, apesar das diferenças, também há proximidade entre ele e seu personagem. "Acho bacana poder tirar sarro de algo que está enraizado na nossa sociedade, o Daniel está dentro de muita gente que conheci na minha vida, incluindo eu mesmo", brinca. Ele também reconhece que, por crescer em uma família artística — é neto da lendária atriz Irene Ravache (80) —, teve acessos que muitas pessoas não têm. "O privilégio de poder estar conectado com a arte desde criança, infelizmente, ainda não é uma realidade tão comum. Porém, até hoje nunca pedi um emprego pra vovó!", diz, rindo.
Para ele, Rio Uphill é um espetáculo construído por muitas mãos e reflete isso em sua essência: "Foi um espetáculo construído através de todes lá dentro. Todo mundo sempre tem algo incrível para contribuir, seja uma vivência pessoal, um conhecimento. Acredito no teatro assim. Sendo feito por muitas mãos".
Enquanto Júlia e Daniel vivem um amor entre barreiras, o personagem de Bhener carrega a responsabilidade de ser um elo entre as diferentes realidades apresentadas no palco. Para compor esse papel, o intérprete trouxe muito da sua própria experiência e das histórias que ouviu ao longo da vida.
"Sou de um contexto periférico e a realidade que o musical exprime não está distante do que vivo como um jovem de comunidade. Busquei enriquecer ainda mais a minha perspectiva com narrativas de outros jovens da favela. Lembro que durante o processo revisitei algumas histórias que envolveram a minha família, trouxe isso para a leitura de mesa para contribuir no processo", pontua o ator.
Equilibrar a força e a fragilidade do personagem, de acordo com Bhener, foi um de seus maiores desafios: "Existe um porquê para todos os conflitos que o Miguel apresenta e isso não pode de forma nenhuma invalidar o amor que ele sente pela sua família e pela comunidade, porque é justamente por eles que ele padece (buscando salvá-los). Cada vez que entro e saio de cena, eu preciso avançar ainda mais com as inquietudes que afligem o Miguel, e isso demanda uma atenção especial da minha parte".
A mensagem de Rio Uphill se torna ainda mais potente ao trazer um olhar humano sobre a favela, fugindo de estereótipos rasos e colocando em cena a complexidade desses espaços. "Muitos vislumbram o funk, mas não validam a nossa história — que vai para além de passinhos e pancadões no último volume. Pessoas de verdade que lutam diariamente por seu lugar no mundo. Que buscam justiça, vivem uma vida de verdade, resistem, sobrevivem e estão à margem não porque se enxergam lá, mas porque as puseram lá", destaca Bhener.
Ao longo da temporada em São Paulo, Rio Uphill tem emocionado plateias, especialmente aquelas que não estão acostumadas a ver suas próprias histórias nos palcos. Cadu conta que tem sido uma experiência única ver como os paulistas reagem ao espetáculo.
"Costumo dizer que essa peça é um presente pra quem não é do Rio! Recebo muito carinho, muita emoção de todo mundo. Os paulistas saem chorando, dançando e cantando as canções. A terra da garoa tem recebido de bracos abertos, tipo o Cristo Redentor", brinca.
Carol também sente a força desse impacto, principalmente entre o público feminino. "Recebo mensagens lindas de várias meninas que se veem nela e isso não tem preço. Torço pra que essa oportunidade que estou tendo de interpretar ela e contar essa história abra ainda mais caminhos pra que outras narrativas com personagens como a Julia ganhem cada vez mais força e alcance no nosso país."
Além do teatro, Bhener também cursa Arquitetura e tem conseguido equilibrar suas paixões. "Viver de arte requer, para além de paixão, dedicação e persistência, o que já é muita coisa; é preciso oportunidade também. E quem iria me garantir isso? Lembro que durante os ensaios eu me dividi entre aulas presenciais, ensaios e trabalhos que iam madrugada adentro. Foi difícil, mas sobrevivi. Ah, por que não focar em uma só? Eu digo, por que não as duas? Amo as duas!".
Cadu, por sua vez, concentra seu tempo em projetos no audiovisual e no teatro. "Esse ano estreia na Globoplay uma novela maravilhosa e muito bem feita, chamada Guerreiros do Sol. Meu podcast Salvando Cadu, que já tem a primeira temporada disponível, vai estrear sua segunda temporada em abril. E agora em março estarei no Village Mall novamente fazendo o espetáculo 'Traidor', com o grande Marco Nanini".
Bhener, enquanto finaliza a graduação, pretende continuar fazendo audições e estudando teatro. "Nunca imaginei estar vivendo tudo isso. Estou muito realizado e grato. E bora, que só está começando!". Carol também pretende continuar em busca de novas oportunidades. "Vão ter algumas montagens de musicais no Brasil esse ano que tenho bastante interesse em participar. Vou me preparar pra isso", diz.
Com a temporada em São Paulo chegando ao fim, Rio Uphill deixa sua marca como um espetáculo necessário, que abre espaço para novas narrativas e fortalece a representatividade nos palcos. "A essência do Rio Uphill está na autenticidade e diversidade do elenco. Pessoas de verdade, retratando uma verdade dentro de uma realidade. Ah, eu me sinto muito feliz em fazer parte desse musical", conclui Bhener.
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