Ao lado da filha e atriz, Marilena Garcia narra sua história de superação e empoderamento diante do câncer de mama e encoraja mulheres a não se intimidarem com o diagnóstico
Muito além do papel de mãe, Marilena Garcia (78) é uma fonte inesgotável de inspiração para Mônica Martelli (55). “Todos os dias ela me mostra que a vida tem uma brecha, há sempre um caminho possível. Todas as portas podem se fechar, mas terá uma janela e você vai conseguir”, fala a atriz, que viu a mãe enfrentar — de cabeça erguida — duas vezes o câncer de mama. “O câncer de mama pode amedrontar em um primeiro momento, mas nos fortalece lá na frente. Ele tem cura, mas temos que buscar atendimento, ter o diagnóstico precoce, fazer mamografia e pressionar para que as leis sejam cumpridas”, enfatiza Marilena, que recebeu o primeiro diagnóstico há 33 anos. O segundo veio 20 anos depois. “A cura dela, apesar de toda a ciência e caminhos de tratamentos, está muito ligada ao que ela faz com a vida: está sempre em busca de um projeto. Ela me fala: ‘nunca deixe de ter um projeto, senão você morre para a vida!’”, fala Mônica, que se vestiu de rosa ao lado da mãe para abraçar as ações do Outubro Rosa, campanha de conscientização para o controle do câncer de mama.
E se projetos são fundamentais na luta pela vida, nós podemos aplaudi-la de pé! Ela é fundadora da Unamama, ONG de Macaé, no Rio, que trabalha na área de acolhimento, informação e assistência às mulheres que recebem o diagnóstico. “Sou uma mulher de classe média, tenho acesso à ciência, ao
conhecimento, mas a realidade da maioria não é essa. A mulher cuida da saúde do marido, dos filhos e ela nunca é prioridade”, alerta Marilena, que ainda travou batalhas contra outros quatro cânceres e, hoje, segue em processo de cura. “A forma como ela lida com tudo isso tem a ver com a personalidade dela. O medo não a paralisa”, emenda Mônica, em contagem regressiva para voltar aos palcos do Rio com o sucesso Minha Vida em Marte.
– Como foi receber o primeiro diagnóstico, há 33 anos?
Mônica – Eu era adolescente e, quando soube, foi como uma sentença de morte.
Marilena – Foram muitos sentimentos. A Dina Sfat, atriz linda, talentosa, tinha morrido aos 50 anos de câncer de mama. Se ela, toda poderosa morreu, imagina nós, mulheres comuns. Teve medo, desconhecimento, a palavra câncer nem era falada. O medo da enfermidade te afasta do confronto.
Mônica – Vivo com a noção de finitude da vida há muito tempo. Isso te aproxima da única certeza que temos na vida, que é a morte.
– Se imaginava tão forte?
Marilena – Nunca tive uma vida padronizada. Nunca aceitei a vida pronta que me ofereciam. Na década de 1970, fui para o campo sindical, depois para a política. Fui a primeira mulher eleita vereadora da minha região. Fui atrás de uma vida que era a negação da educação que toda mulher recebia: casar, ser dona de casa, ter filhos. Fiz os dois caminhos, fui me autoconhecendo, tudo isso me deu visão de mundo e me ajudou nos enfrentamentos do câncer.
– A melhor forma de lutar contra a doença é compreender a situação...
Marilena – Sempre tive questionamentos, são eternos. É preciso ter cuidado para não paralisar na porrada, porque ela é grande. Sou pedagoga e trabalhei como voluntária no Instituto Nacional do Câncer, no Ministério da Saúde, e também coordenei campanhas. Neste País, a democracia só caminha se cutucarmos as leis... e temos muitos direitos!
– Herdou essa determinação?
Mônica – Sim! Ela é minha inspiração! Tudo que faço me pergunto: ‘como ela faria?’. Tenho medos o dia inteiro, medo de perder o celular, de a filha não chegar à escola, de ter crise de ansiedade, mas isso não me paralisa. E também sou questionadora, nas relações, na vida... não sou a mesma de dois anos atrás.
– Os exames são mais do que obrigatórios. Fica receosa na hora?
Mônica – Eu faço exames de seis em seis meses, sou paranoica. Sou filha de uma paciente com dois cânceres de mama, estou sempre me cuidando e tenho medos. Minha mãe encara a realidade com mais rapidez, já a minha ficha demora para cair. Tenho um tempo de artista.
– Vocês são empoderadas!
Mônica – A gente sempre conversa sobre isso. É uma luta diária para você sair dos padrões e não cair nas cascas de banana que a sociedade machista coloca. A gente brinca que aqui é uma casa de mulheres. Namoro, mas não coloco homem para dentro de casa. O universo feminino sempre me atraiu por incentivo dela. Eu sempre me abri, falei dos meus sentimentos, ilusões e desilusões.
– Essa luta para romper com os padrões machistas atravessa as gerações da família...
Mônica – A beleza é cobrada da mulher, você não é autorizada a envelhecer. O homem fica maduro, charmoso, não cobram dele. Lembro que tinha 15 anos e procurava defeitos, mesmo sendo filha de uma mulher feminista e, em casa, nossa bíblia era Simone de Beauvoir. Para você ver como a nossa cultura é afetada por esse universo machista e patriarcal.
– E hoje, como lidam com essa questão de envelhecimento?
Mônica – Eu me acho mais bonita hoje do que aos 20 anos. Minha mãe fala que envelhecer não é ficar maduro. Ficar maduro é uma busca constante.
Marilena – Vivo a questão da idade de modo diferente da maioria das mulheres porque a vida foi me apresentando outras realidades. Perdi uma mama para o câncer. A outra pode cair à vontade. Com
as últimas quimioterapias, que foram violentíssimas, meu cabelo caiu e, quando cresceu nunca mais
pintei, deixei branco. Gostei da minha nova cara, coloco um batom vermelho, óculos grande. É se ressignificar o tempo inteiro.
FOTOS: JULIA MATARUNA