Mulher, nordestina, preta e bissexual, a atriz e cantora Lucy Alves ajuda o país a se reconhecer na televisão ao protagonizar Travessia, na Globo, e Só Se For Por Amor, na Netflix
Mulher, nordestina, preta, cantora, sanfoneira, bissexual e... protagonista da novela das 9, Travessia. Esse poderia ser o verbete de Lucy Alves (33), mas ela é muito mais. Sua história deixa claro que a inerente docilidade convive em harmonia com força e perseverança, qualidades que ela descobriu escrevendo a sua própria travessia. Desde os 4 anos, Lucy percorre a estrada artística com a sanfona e sua voz. Hoje, alcançou o horário nobre da Globo como Brisa, uma vítima de fake news. Ela também protagoniza a série Só Se For por Amor, da Netflix, e não se intimida em demonstrar que aprendeu a conquistar o que quer na vida profissional e, também, na pessoal, assumindo publicamente o romance com a produtora Victoria Zanetti.
“Ser mulher, nordestina, sempre foi motivo de muito orgulho pra mim. Terra de gente forte, da riqueza, da arte. Que me inspira, que diz muito sobre quem sou e sobre todas as minhas formas de expressar. Terra de minha família e que guarda a minha história. Terra da poesia, da bravura, do amor. É uma honra poder levar a minha Paraíba e o Nordeste por onde passo”, declamou ela.
– Sua personagem é vítima de fake news. Já viveu isso?
– Não exatamente. Acho que vez ou outra sai algo que não condiz com a verdade, mas não como o que acontece com Brisa. Mas me angustia pensar na dor de passar por isso. Me lembra uma parábola que fala que controlar uma fofoca é como tentar reunir penas de um travesseiro soltas ao vento: impossível! Hoje, a notícia se espalha tal qual as penas. Tratar deste tema é fundamental para chamar a atenção para os perigos. Com informação e consciência, talvez possamos lutar contra isso, rebater.
– Já mandou nudes?
– Sou de uma geração que não vê no nudes essa naturalidade toda, não. Acho que isso é um fenômeno desta sociedade ultramoderna. Mas olho com preocupação. Outro dia, li que cresceu 360% a quantidade de nudes enviados por crianças entre 7 e 10 anos. Desculpe, mas não consigo olhar para isso com naturalidade, achando que seja uma prática saudável. Uma criança não tem discernimento para entender as consequências. E por mais que tenhamos cada vez mais leis para os ambientes virtuais, quando algo cai na rede o controle se torna quase impossível. Tem ainda esse grande problema que é a “pornografia de vingança”. Já ouviu falar? Os relatos são assustadores e a maioria começa por um nude.
– Você assumiu o namoro com Victoria. Sofreu alguma crítica?
– Crítica não. Recebi uma onda de amor. Mas tenho clareza de que estou em uma bolha privilegiada. O Brasil ocupa o topo do ranking quando o assunto é homofobia e é um dos países que mais matam homossexuais. Não temos respeito. Não temos políticas públicas.
– Ainda é muito difícil assumir uma relação homossexual tendo uma vida pública?
– Essa não é uma pergunta fácil de ser respondida. Quando a vida íntima de uma pessoa fica exposta, tudo é mais delicado. E, por vezes, a gente quer guardar o relacionamento só pra gente. Mas por outro lado acho que as pessoas ficam mais reticentes na hora de despejar seus preconceitos. Estamos evoluindo, às vezes, em passos muito lentos, mas tem muita gente que não tolera mais o preconceito e rebate imediatamente.
– Você é bissexual e nordestina. Como vê a aceitação da bissexualidade, não apenas sua, no Nordeste do País?
– Ainda bem que as coisas estão mudando e a internet aproximou distâncias físicas, sociais e comportamentais. Acho que estamos no caminho para naturalizar algo que deveria ser natural desde sempre: o amor entre as pessoas. Ninguém é obrigado a falar sobre seus relacionamentos. Mas é preciso ter liberdade e segurança para vivê-los do jeito que cada um quiser.
– Você e Victoria já pensam em morar juntas?
– Eu não gosto muito de rótulos, não! Vivo e deixo a vida me levar. Sou guiada pelos meus sentimentos e não sou apressada. Está ótimo assim, do jeitinho que está!
– Você declarou que Brisa tem uma força descomunal e é muito resiliente. Você também é?
– Só o fato de ser mulher já diz muito sobre a sua pergunta. Sim, sou forte. Acho que sou também teimosa e persistente. Gosto de me desafiar e, mesmo quando tenho medo, continuo adiante.
– Gravou no Maranhão e é da Paraíba. Existem muitos nordestes dentro do nosso Nordeste?
– Muitos! Dezenas! É um grande equívoco pensar que a região é uma massa única. Cada estado traz suas raízes e é influenciado por questões sociais, políticas, religiosas... Eu mesma conhecia muito pouco do Maranhão. Foi uma delícia poder estar mais perto, mergulhar na realidade desse povo tão diverso e rico culturalmente.
Fotos: Marcelo Zilio; Jonathan Wolpert e Guilherme Lima; Beleza: Alma Negrot; Stylist: Yumi Kurita; e Unha: Viviane Lee Hsu