A fotografia cresceu na preferência de decoradores e arquitetos e hoje disputa com a pintura um lugar na parede da sua casa POR ANA PAULA DE ANDRADE
Desde o século 19, quando o francês Louis Daguerre criou o daguerreótipo, a fotografia encanta a humanidade. Mesmo primitiva, em 1839, a técnica trouxe a possibilidade de reproduzir a realidade com exatidão, o que apavorou os pintores figurativos da época. Muitos deles acreditavam que a pintura estava condenada. Felizmente, no decorrer das décadas, as duas expressões artísticas encontraram seu lugar. Mas, hoje, de certa forma, continuam disputando outro espaço: a dos ambientes de quem está decorando. Impulsionada pelos incríveis recursos tecnológicos contemporâneos, a fotografia saiu dos porta-retratos e invadiu as paredes de salas de estar, quartos, escritórios e até cozinhas. Ao mesmo tempo, foi ganhando contornos artísticos, chegando a museus e galerias. “As pessoas estão mais próximas da fotografia e isso tem seu lado bom, pois valoriza, divulga e incentiva os artistas”, diz o fotógrafo paulistano Gustavo Zylbersztajn. Ele, que costuma clicar editoriais de moda, em 2011 expôs no Museu Brasileiro da Escultura (MuBE) uma série de fotografias abstratas, intituladas “Rhapsoidia”. Zylbersztajn conta que muitos interessados o procuram para adquirir obras prontas, como as da exposição, mas que também já realizou fotos sob encomenda com o objetivo de decorar um ambiente específico. “Eu mesmo tenho várias fotografias decorando a minha casa, e minha intenção é trocá-las de tempos em tempos”, diz.
Segundo o decorador Gilberto Cioni, essa é uma das vantagens de utilizar fotos na decoração: a possibilidade de substituí-las periodicamente. “A foto, por ter um custo menor, dependendo, é claro, do fotógrafo, é mais fácil de substituir do que a tela de um artista clássico consagrado”, afirma. Para Cioni, a procura por fotos cresceu visivelmente nos últimos anos. “Ela é considerada arte, tanto quanto a pintura”, diz. Jully Fernandes, diretora executiva da Galeria de Babel, concorda. “A preferência aumentou entre os decoradores e arquitetos e o mercado da fotografia fine art nunca vivenciou melhor momento no Brasil. Antigamente, vendíamos muito para colecionadores estrangeiros, mas hoje esse cenário mudou e a aceitação aqui tem sido enorme”, afirma.
Ao escolher uma fotografia para decorar um ambiente, o dono da casa deve procurar imprimir seu estilo e personalidade. E opções não faltam. Desde o figurativo até o abstrato, existem inúmeras obras que agradam a diversos olhares. Aliás, segundo a diretora da Galeria de Babel, muitos apreciadores de arte começam a ‘experimentar’ a fotografia através de obras abstratas, como as da série “Ruined Polaroids”, do fotógrafo nova-iorquino William Miller, que usa uma máquina polaroide defeituosa para obter resultados inusitados.
Alguns tentam trazer a natureza para dentro de suas casas por meio da fotografia. É por onde envereda o trabalho do brasileiro Araquém Alcântara, um dos precursores da fotografia de natureza no país. Desde os anos 1970, ele registra imagens de animais, rios, florestas e outras paisagens, e se tornou referência tanto aqui como no exterior. Hoje, além de Araquém, Jully Fernandes aponta o paulistano Dimitri Lee, o mexicano Alfredo de Stefano e o argentino Martin Gurfein, que também é editor de fotografia da CARAS, como alguns dos mais requisitados por decoradores e arquitetos.
O retrô é outra tendência que tem sido adotada e, por mais contraditório que pareça, o ar nostálgico de algumas fotos confere modernidade à decoração e imprime um estilo especial ao ambiente. “A onda retrô está presente há alguns anos no Brasil. E as imagens em preto e branco são muito pedidas”, diz Cioni. “Costumo aplicá-las em acetato, sem moldura. E se a ideia é dar profundidade ao ambiente, recomendo usar fotos que tenham perspectiva”, acrescenta. Para quem quer inovar, a sugestão são as montagens: diversas partes de uma mesma foto que formam uma só imagem, como num quebra-cabeças. E se a intenção é usar cor, a tendência são as fotos com o predomínio de um único tom, que também podem ser combinadas com fotos em preto e branco. Qualquer que seja a escolha, as fotos devem ter boa qualidade. E qualidade não significa apenas uma imagem com boa definição, é necessário que a obra tenha um conceito e transmita uma mensagem.
Hoje, com a popularização de aplicativos como o Instagram, muitos se consideram fotógrafos. Mas existe uma grande diferença – além do preço – entre a obra de um artista renomado e os cliques de uma pessoa que fotografa por hobby. “O amador não tem o domínio da técnica, uma habilidade que apenas a experiência proporciona”, diz Martin Gurfein, autor da série de fotos “Invisibles”, que retrata a paisagem urbana de forma quase monocromática. Para ele, somente um olhar treinado é capaz de imprimir a intenção que vai transformar uma foto em arte. Mas a imagem está cada vez mais presente no dia a dia das pessoas e os avanços tecnológicos facilitaram o manejo dos equipamentos. “Algumas máquinas têm um nível tão alto de automação que fazem tudo praticamente sozinhas, resolvem problemas que antes somente um profissional conseguiria solucionar. E isso contribui para a proliferação de fotógrafos amadores”, diz Gurfein. Mas ele alerta que a ajuda da tecnologia não garante um trabalho de bom gosto, por isso a necessidade de se procurar um profissional experiente. Quanto aos programas de tratamento de imagem, como o Photoshop, Gurfein considera que os retoques fazem parte da fotografia desde seus primórdios. “A prática de corrigir sempre existiu, o que mudou foi a tecnologia”, diz.
O fato é que a substituição do analógico pelo digital proporcionou uma aproximação das pessoas com a fotografia. A foto deixou de ser voltada somente para os profissionais, e se tornou acessível para todos que possuam uma boa câmera ou celular. E provavelmente a popularização da fotografia é algo positivo. Mais gente se interessa pelo assunto, escolas oferecem possibilidades de aperfeiçoamento, novas portas para comercialização são abertas. Assim, o mercado fica aquecido. Se Daguerre pudesse testemunhar tamanha evolução na arte que ele ajudou a popularizar, certamente ficaria orgulhoso. E, provavelmente, teria muitas fotografias na decoração de sua casa, quem sabe até algumas tiradas por ele próprio.