Bira Presidente conviveu com doenças que levaram à sua morte, mas, em entrevista à CARAS Brasil, Roberta França explica como condições afetaram o idoso
Publicado em 19/06/2025, às 16h12
O Brasil se despediu nesta semana de uma lenda do samba: Bira Presidente, fundador do grupo Fundo de Quintal e da tradicional roda de samba Cacique de Ramos, morreu aos 88 anos. A causa da morte foi um tumor na próstata associado às complicações do Alzheimer. Mas como essas doenças crônicas e degenerativas afetam a vida de um idoso?
Em entrevista para a CARAS Brasil, a geriatra Roberta França explicou os efeitos combinados dessas condições na saúde física e mental de pacientes como o sambista.
A médica foi direta ao explicar o impacto do diagnóstico duplo: "A demência de Alzheimer é uma doença neurodegenerativa, progressiva e inexorável. Até o momento, não temos nenhuma droga capaz de modificar sua evolução", explicou Roberta França. Segundo ela, o Alzheimer vai muito além da perda de memória:
"É uma doença que, gradativamente, compromete múltiplos sistemas, não apenas a parte neurológica, mas também a condição física. O paciente se torna mais debilitado, apresenta piora na motricidade, dificuldades para caminhar e para executar tarefas simples, inclusive se alimentar."
Já sobre o câncer de próstata, a médica ressaltou: "Embora esteja localizado na próstata, o processo inflamatório e a agressividade do câncer têm impacto sistêmico."
Combinadas, as duas doenças agravam a perda de autonomia: "São duas doenças que impactam de forma intensa tanto a parte física quanto a cognitiva. Em estágios mais avançados, o paciente apresenta complicações maiores, com comprometimento significativo nas atividades básicas do dia a dia e dificuldades até para executar tarefas mínimas."
A geriatra também destacou a importância dos cuidados paliativos, muitas vezes mal compreendidos: "Diferente do que muitas pessoas imaginam, os cuidados paliativos não estão associados apenas aos pacientes em fase terminal", esclareceu. "Eles são indicados para qualquer doença cujo prognóstico seja desfavorável, ou seja, quando não há, naquele momento, nenhum tratamento capaz de modificar a evolução da doença ou oferecer cura."
Ela reforçou que esse tipo de cuidado busca garantir conforto e bem-estar, mesmo sem possibilidade de cura: "O foco passa a ser oferecer suporte clínico, emocional e, principalmente, garantir conforto. A prioridade é que o paciente não sinta dor, tenha amparo e viva com dignidade dentro dos limites impostos pela doença. Sempre priorizando a qualidade de vida, e, quando chegar o momento, também a qualidade da morte."
Um ponto destacado pela especialista foi o papel da vida social e cultural na saúde de Bira Presidente: "Muitas pessoas nem sabiam que Bira Presidente tinha demência de Alzheimer. Isso porque é fundamental, e, na minha visão, lindo, quando a família entende que o diagnóstico não define o paciente. O paciente não é o Alzheimer. Ele é uma pessoa, um ser humano, com uma história, uma vida e uma família. E, nesse processo, ele tem Alzheimer."
A médica valorizou a importância de manter o paciente conectado com o que ama: "Mantê-lo ativo naquilo que ama, na música, no samba, nas rodas de conversa, no convívio social, é fundamental. Essa rede de apoio oferece acolhimento, afeto e, muitas vezes, ativa memórias afetivas que trazem conforto, mesmo que, momentaneamente, ele não reconheça alguém ou algo."
E completou com uma reflexão tocante: "Eu sempre digo: não importa se ele não sabe quem você é, o que importa é que você sabe quem ele é."
Segundo Roberta, o modo como a família e os amigos enxergam o paciente faz toda a diferença no processo da doença:
"O grande problema surge quando tratamos a demência como uma sentença, como um diagnóstico de condenação. Ela só se torna isso quando olhamos para o paciente apenas sob o prisma da doença. Quando o enxergamos como um ser humano complexo, com uma trajetória, valores e uma história, entendemos que a demência não pode defini-lo."
E foi justamente isso que aconteceu com Bira Presidente: "Ele se manteve ativo, amado, respeitado e inserido no seu contexto social até o fim da vida. Seguiu trabalhando, vivendo, construindo, deixando um legado que nenhuma demência é capaz de apagar. Com certeza, ele partiu com alegria e com a convicção de que cumpriu sua missão, sendo uma pessoa que fez a diferença e deixou sua marca no mundo."
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