O mundo globalizouse. E aí? Será que isso significa que todos passamos a falar a mesma língua, uma espécie de “esperanto” universal? O que acontece com as diferenças culturais? Diluem-se? Como fica o encontro amoroso entre pessoas de origens distintas? Os caminhos certamente estão mais curtos (redes sociais, internet...). Mas, com isso, estaria Eros livre para circular sem barreiras, sem conflitos, sem estranhamentos? Tenham a origem que tiverem, as pessoas carregam uma “cultura” própria, com valores, crenças e significados particulares, muitos deles assimilados na família. Por isso, ainda que viva numa mesma região, um casal pode enfrentar um choque de diferenças quando se relaciona. O que dizer, então, de parceiros oriundos de culturas e identidades nacionais distintas?
O fato é que as pessoas são diferentes umas das outras, venham de onde vierem, e os encontros amorosos se dão justamente graças a essas diferenças. O namoro entre nativos de países distintos tem a vantagem de tornar mais nítidas as dessemelhanças, uma vez que estas são fáceis de aferir — na língua, nos hábitos, na alimentação, na vestimenta. Nesses casos, é mais fácil para os parceiros verificar se há condições favoráveis para a sedimentação da união. Já no namoro entre conterrâneos as diferenças tendem a manterse relativamente eclipsadas, dificultando a avaliação das reais chances de formação ou de preservação do relacionamento. Enfim, o “aspecto estrangeiro” do cidadão de outro país é mais visível do que a dimensão também estrangeira de um conterrâneo.
Com passaporte ou sem ele, no entanto, é fundamental, antes de iniciar uma relação, o contato ao vivo e em cores. Sempre. Não que o contato virtual seja ruim, mas restringe as trocas ao plano da linguagem escrita e/ou falada. Não há “olhos nos olhos”, nem gestos, ações, atitudes, o que dificulta a avaliação da tonalidade afetiva. Palavras, como se sabe, podem falsear realidades. É fundamental observar a coerência entre o que a pessoa diz e o que demonstra — nas ações, nos gestos, nas atitudes, no olhar. O plano virtual dá margem a que se preencham as lacunas deixadas por um conhecimento precário com fantasias e suposições. Os interlocutores correm o risco de se relacionar com a imagem que formam da pessoa, em lugar da pessoa real. Garantido o contato presencial, resta verificar se o encontro harmonioso é viável, ainda que as partes sejam francamente diferentes uma da outra, se os possíveis parceiros estão dispostos a abrir-se para as diferenças, se querem conhecê-las melhor e aprender com elas, ou se, ao contrário, pensam impor ao outro o seu jeito de ser, visto como o “certo”. É preciso, afinal, saber se a “conversa” é possível, se uma diferença pode fazer versos com a outra, em feliz e integrada poesia, ou se a pretensão é de mudar, “corrigir”, ensinar ou “adestrar” o outro para anular as diferenças.
Onde há conversa, o amor é possível. Onde há poder, ele não costuma comparecer. Que triste é a mulher renunciar à carreira para se adaptar às exigências do marido. Que humilhante é o rapaz esconder no fundo do armário a imagem do Buda, porque a mulher quer na sala apenas a imagem de Shiva. Que bacana é o português aprender a fazer acarajé e a brasileira aprender a apreciar o fado.