Um leitor pede para que eu escreva sobre o mito de dom-juan. “Acho que sofro desse mal”, diz. Se reconhece, é porque quer mudar. Sugiro uma terapia, mas, como é inconstante nos amores, talvez também não tenha constância para se tratar. Quem sabe este texto o estimule a procurar ajuda.
O termo dom-juan tem origem no personagem Don Juan, ou Don Giovanni, grande sedutor que conquista as mulheres e em seguida as abandona. Ele apareceu pela primeira vez em 1620, no livro O Burlador de Sevilha, do espanhol Tirso de Molina (1579-1648), e ressurgiu em 1787, na ópera Don Giovanni, de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791). Depois disso, frequentou livros, peças de teatro, músicas e filmes, entre os quais O Homem que Amava as Mulheres, do francês François Truffault (1932-1984), e Don Juan de Marco, do norte-americano Jeremy Leven (71).
Para o psicólogo suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), dom-juan tem um complexo materno, isto é, não se libertou da mãe e procura sua imagem em todas as mulheres, nunca encontrando. A origem do comportamento estaria na adolescência. Nessa fase é natural que o filho se torne agressivo com a mãe, pois precisa se separar, ter a própria identidade. Se ela tenta mantê-lo calmo e fraco, realizando todos os seus desejos, acaba por dificultar a necessária separação, que o tornaria um homem mais forte e capaz de amar outras mulheres. Impossibilitado de se libertar, o rapaz pode se tornar um dom-juan.
Aquele que envereda por esse caminho em geral é arrogante e se julga melhor que os demais, devido muitas vezes a um complexo de inferioridade. Sempre tem uma desculpa para não se comprometer — julga que uma mulher é controladora, outra é egoísta, outra gasta demais — e por isso vai trocando, trocando. Acredita ser um grande amante, mas só consegue amar a si mesmo. Narcisista, não leva em consideração os sentimentos dos outros e gosta de desafios: quanto mais difícil for a conquista, maior seu interesse. Não sente amor, apenas prazer em conquistar.
Alguns até se casam, porém projetam na mulher a imagem da mãe e perdem todo o interesse sexual por ela. Acabam arrumando não uma, mas várias amantes para não se sentirem presos ou dominados por nenhuma. O medo de se tornarem dependentes, como foram da mãe, faz com que agridam suas mulheres de forma cruel, traindo ou abandonando.
A mulher que se envolve com esse tipo de homem se apaixona. Estar com ele é como usar uma droga. Ela sempre quer mais e faz qualquer coisa para não perdê-lo. Acredita que finalmente encontrou aquele amor romântico de que tanto falam a literatura, o cinema, as novelas. Em pouco tempo, porém, o romance se transforma em pesadelo. Ele começa a fazer de tudo para que ela o abandone e assuma a responsabilidade pelo fim da relação. Deprimida e magoada, ela se julga culpada e fica querendo descobrir o que aconteceu. Não vê que o motivo é a incapacidade dele de se ligar, o seu medo do compromisso.
Com a chegada da maturidade, e com medo da solidão, alguns desses homens mudam e conseguem se fixar em uma só companheira; quando isso não acontece, eles podem ter crises de angústia e dificuldade para aceitar a idade. Alguns terminam se relacionando com mulheres de nível cultural inferior, vindas de mundos muito diferentes do seu, apenas para ter alguém que cuide deles.