Cumplicidade é saber transformar em projetos os sonhos conjuntos
Anna Veronica Mautner Publicado em 26/07/2006, às 17h01
Todos dizem que a cumplicidade é um importante ingrediente da boa vida conjugal. Já que é importante, vamos definir do que se trata. Os dicionários informam que cúmplices são aqueles que colaboram e concordam na realização de alguma coisa, projeto ou desejo. Num casal, certas condições são necessárias para que tal colaboração e concordância se dêem com razoável freqüência, proporcionando o bem-estar da relação.
Antes de mais nada, é bom saber que não basta ter um sonho em comum. É preciso transformá-lo em plano, isto é, ver se além de concordar com o objetivo os dois estão de acordo com a forma de chegar a ele. Vamos supor que ambos sonham morar em uma casa de vila, por causa da segurança e do desejável clima de solidariedade criado pelo isolamento. Ora, casas de vila não caem no colo dos casais, são raras. É necessário ter o dinheiro ou conseguir financiamento, escolher o bairro e se pôr a procurar. Mas a ordem desses fatores terá de ser ajustada entre os dois. Um pode preferir achar a casa e depois ir atrás do dinheiro, enquanto o outro gostaria de ter o dinheiro na mão para sair em busca do imóvel. Um pode gostar deste bairro, o outro daquele. O exemplo visa mostrar que cumplicidade não se resume a ter sonhos convergentes. Exige muita troca, convivência, conversa - a experiência na qual se lapidam as arestas e se encontram os encaixes da união.
Pensemos no casal que sonha em ter uma família alegre, unida, com filhos. Eles terão os filhos quando? Quantos serão? Que tipo de educação receberão? Ter filho quase sempre é muito fácil, difícil é que os ideais para o futuro das crianças convirjam.
A vida de um casal não se rege por ordens do dia e qualquer tema é campo para que, devagar, sem risco de riscar ou de quebrar, sejam arredondados os ângulos da relação. É assim que se previnem os rangidos e os atritos. O caminho vai sendo aplainado na escolha de um filme ou da festa a que se vai, entre outras pequenas coisas. Esse ajustamento impede o casal de chegar se arranhando na hora de comprar uma casa, de educar os filhos, ou de outros planos abrangentes.
O tempo de namoro, de noivado ou mesmo as férias conjuntas, momentos nos quais predominam as decisões de pequena monta, colaboram bastante na construção da cumplicidade. É no convívio sem compromissos sérios que se aprende a avaliar, conhecer o jeito do outro. Descobre-se comoconquistar um sim
quando há probabilidade de um não, percebe-se se o parceiro é do tipo que gosta de surpresas ou as detesta, e assim por diante. Claro que nos primeiros tempos de paixão, no começo do namoro, não é difícil conceder ao desejo do outro. Mas a cumplicidade, essencial para um cotidiano ameno, que não maltrata o afeto, só é conquistada à medida que se conhece o terreno.
Pode parecer que estou advogando a favor de um longo namoro ou noivado. Também estou. Não é ruim ter um tempo para se conhecer. Mas se ele não existir é importante que o mútuo conhecimento ocorra em torno de coisas não essenciais. É bom lembrar que a ausência de conflitos, no princípio, não garante a cumplicidade. A paixão e a vontade de estar junto ocultam discordâncias que, com o tempo, podem aparecer. Afinal, os parceiros vieram de casas, famílias, culturas e até de DNA diferentes. O encaixe nunca ocorre de imediato, a não ser em situações de subserviência e dominação. Nesses casos, porém, o que há não é cumplicidade. É obediência. E a submissão, não importa quais sejam os motivos que levaram a ela, nunca ocorre com alegria. Casais que percebem a falta de cumplicidade, de qualquer forma, podem reverter a situação, desde que ambas as partes o desejem. O aconselhamento de casal é um caminho, pois constitui-se na tarefa de fazer um olhar o outro, de modo que se reconheçam na interação que engendraram.
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