Ajudar o outro a crescer não basta. É preciso também deixar-se ajudar
por Rosa Avello* Publicado em 11/05/2010, às 11h06 - Atualizado às 11h06
Os individualistas que me perdoem, mas ninguém cresce tão bem sozinho quanto acompanhado. Veja o meu caso: sempre gostei de correr, mas, ao primeiro sinal de cansaço, parava. Até que um amigo me observou e perguntou se eu queria ajuda para melhorar meu desempenho. Aceitei. Quando ameacei parar, ele disse: "Force um pouco mais." Continuei. Senti uma pontada no abdome, gritei de dor e avisei que pararia. Ele foi enfático: "Não! Você pode fazer melhor! Acredite, a dor vai passar."
Exausta, mas desafiada e confiante, continuei. A dor desapareceu e deu lugar a uma sensação maravilhosa! Eu acabara de descobrir o que todo corredor experiente sabe: 10 minutos depois de suportar a dor da exaustão vem o chamado segundo fôlego, uma sensação de bem-estar gerada pela produção de endorfinas. Dificilmente chegaria lá sozinha, pois, ao ameaçarmos nossa zona de conforto, o corpo emite alarmes que tendemos a obedecer.
O que isso tem a ver com amor? Tudo. Hoje, o individualismo propaga independência e autonomia. Prega-se que as pessoas podem atingir suas metas sozinhas desde que sejam disciplinadas. Por outro lado, aumentam as queixas de falta de amor e interesse nos relacionamentos.
Ora, quando uma pessoa se envolve com outra, deseja fazer a diferença na vida dela. Embora batida, a expressão traduz bem o que várias pesquisas apontam como fator crucial para a felicidade: acrescentar valor, mudar para melhor a vida de alguém. Penso que essa é a razão principal para que as pessoas se unam. Mas, para ajudar alguém a crescer, é preciso tirar esse alguém da zona de conforto, outro lugar-comum que ilustra o que os humanos fazem melhor: adaptar-se e acomodar-se.
Muita gente, porém, não se permite ser desafiada e não se compromete a desafiar. Acha que isso é cobrança. Essas mesmas pessoas evitam o compromisso, que poderia ferir a autonomia tão valorizada hoje.
O individualista acha que não precisa de ninguém, porém se queixa de não conseguir sentir-se feliz. Claro: é difícil, doloroso e triste crescer nos dias de hoje. Ainda mais sozinho Muitos, no meu lugar, se sentiriam desrespeitados e invadidos pelo amigo, quando ele queria apenas distender-me (distender é estirar, desenvolver). Ao desafiar meus limites, me ajudou a me tornar mais capaz. Isso só foi possível porque lhe dei permissão e me permiti.
Eu poderia ter questionado sua intenção e a capacidade, ter disputado com ele meus conhecimentos sobre corrida, ter duvidado de seu apoio e desejado controlar a situação. Nada disso aconteceu porque eu confiei e me entreguei.
Ele, por sua vez, poderia ter sido autoritário e me constranger, ter tentado mostrar superioridade e competir comigo, ou ter sido complacente quando fraquejei. Mas demonstrou respeito ao perguntar se eu queria ajuda. Foi generoso quando confiou em minha capacidade de superação e manteve seu apoio, mesmo quando ameacei desistir. Ele se comprometeu com meu crescimento, se entregou. Ao final, ambos estávamos satisfeitos.
Deixar-se distender por uma pessoa que está comprometida com nossa evolução é uma das maneiras mais autênticas de construir relações afetivas. Propor-se a distender o outro, com apoio e compromisso, é uma das formas mais generosas de vivê-las.
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