Escarafunchar passado do parceiro não leva a nada e gera sofrimento
por Rosa Avello* Publicado em 13/12/2010, às 17h03 - Atualizado em 09/05/2012, às 07h38
Quando se tem demasiada curiosidade acerca das coisas que se faziam no passado, fica-se quase sempre na grande ignorância das que têm lugar no presente." A frase do filósofo francês René Descartes 1650) chama a atenção para uma atitude extremamente danosa aos relacionamentos afetivos: escarafunchar o passado do parceiro. Mais comum do que seria desejado, esse mau hábito nasce da crença nas palavras de outro filósofo, o chinês Confúcio (551-479 a.C.): "Se queres prever o futuro, estuda o passado". Embora esta pareça ser uma sábia verdade, conhecer o passado, ou, mais especificamente, as relações passadas de nosso parceiro costuma fazer mais mal do
Embora esta pareça ser uma sábia verdade, conhecer o passado, ou, mais especificamente, as relações passadas de nosso parceiro costuma fazer mais mal do que bem à relação. Partindo do pressuposto de que somos seres inteligentes e, como tal, aprendemos e somos transformados por nossos erros e acertos, de que adianta remexer no passado? Afinal, ele foi vivido por uma pessoa que já não somos mais. Estamos hoje mudados por nossas experiências.
Você certamente dirá: "Mas tem gente que não muda!" É verdade. Porém, mesmo neste caso, o passado não importa muito. Num relacionamento amoroso, o modo de ser de um tem efeito direto sobre o do outro. A cada nova relação vivida abrem-se possibilidades de mudança e de troca que antes inexistiam. De nada vale, portanto, analisar um modo de ser que resultou da união de nosso parceiro ou parceira com outras pessoas, diferentes de nós.
Investigar o passado da cara-metade nada mais é do que um sinal de insegurança, de medo de sofrer. É uma atitude típica de quem não tem critérios próprios ou não valida as próprias referências, de quem pensa em comparar "o que foi" com "o que está sendo" para avaliar quão plena é a sua entrega atual - o que obviamente não tem nenhum fundamento.
Também age desse modo pessoas que são controladoras. Os mapas mentais de gente assim sempre apontam para a possibilidade de as coisas darem errado - o controle é uma tentativa de evitar riscos e garantir resultados positivos. Para obter certezas o quanto antes sobre seus relacionamentos, em vez de se deixar levar pela experiência e permitir que o outro se revele no convívio, o controlador prefere fazer uma devassa no seu passado. A partir dessa investigação, julga e tira conclusões.
Paradoxalmente, os mapas mentais do controlador também criam dúvidas sobre as conclusões tiradas, o que gera a necessidade de mais controle e uma grande ansiedade por detalhes, ou seja, ele desenvolve verdadeira obsessão com foco no passado do parceiro ou da parceira. Este, com razão, se sente vigiado, analisado, julgado.
Quando tenta se defender é acusado de querer esconder algo, e corre o risco de ter a vigilância sobre si aumentada. Se não reage, seu silêncio também aumenta as fantasias do controlador, que passa a bombardeá-lo com perguntas. A vida do casal vira um tormento. Como bem disse Descartes na frase citada no início deste texto, quem vive focado no passado perde de vista o presente. Agir assim nas relações afetivas deixa a pessoa impotente, pois ela está totalmente cega às oportunidades de fazer diferença na vida do parceiro. Quando o outro não se mostra, as razões para isso até podem estar no passado, mas é no presente que se encontram as possibilidades de entrega. Tem mais chance de sucesso quem confia na própria capacidade de lidar com os resultados da convivência, sejam quais forem. Querer saber o passado do outro para diminuir a chance de sofrimento revela despreparo para a vida afetiva. Para viver plenamente uma relação é preciso enxergá-la sempre como uma experiência única - e entregar-se a ela como tal.
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