O calendário da moda mundial se tornou uma corrida contra o tempo. Confira a opinião de quem entende do assunto sobre essa frenética produção
Em apenas um ano, grandes marcas de luxo realizam, pelo menos, seis grandes desfiles para mostrar suas coleções. Elas apresentam suas tendências para verão e inverno nos
prêt-à-porters (ou
ready-to-wear) femininos e masculinos. As que fazem parte da alta-costura também mostram essas coleções mais duas vezes ao ano. E, recentemente, surgiu uma terceira estação semioficial da moda, chamada de Pré-Temporada, que engloba as
Resort Collections e as
Pre-Fall.
Mas esses não são os únicos eventos. Em diversos países emergentes, que não entram oficialmente no calendário, mas que trazem oportunidades de negócios, também são realizadas apresentações.
"Até pouco tempo atrás estilistas tinham de ser artistas, visionários. Fazer uma coleção é quase como escrever um livro ou produzir um filme, e eu não conheço nenhum outro setor que produza seis filmes por ano com o mesmo diretor", disse
Alber Elbaz, diretor criativo da Lanvin, ao site Style.com.
"Conheço muitas pessoas que se queixam de que a moda no passado era mais criativa do que hoje, e acho que grande parte desse fenômeno acontece porque não temos tempo para pensar."
Elbaz não é o único a reclamar,
Azzedine Alaïa,
María Cornejo e
Donna Karan engrossam o coro dos descontentes que falaram publicamente sobre o tema recentemente. Porém, coleções com ciclo de vida cada vez mais curto são uma tendência.
"O mercado da moda está pulverizado e faz parte da estratégia colocar minicoleções durante o ano todo", diz
Marta Kasznar Feghali, coordenadora de Design de Moda da Faculdade Veiga de Almeida, do Rio de Janeiro.
Antes do surgimento das pré-temporadas, o calendário era dividido em duas coleções - Primavera/Verão e Outono/Inverno. As coleções de "meia-estação" vieram para preencher uma "possível" lacuna de novidades entre uma temporada e outra. A proposta das coleções
Resort (Cruise ou Pre-Spring) é fazer uma prévia do verão, durante o inverno. Já as mostras do
Pre-Fall têm o intuito de antecipar as promessas do inverno durante o verão. Grandes casas de design, como
Oscar de la Renta,
John Galliano e
Chanel, já as colocaram em seus calendários. Não existe uma semana de moda definida para essas mostras, e cada marca desfila como e onde desejar.
Apenas em junho deste ano, mais de 75
Resort Collections foram apresentadas pelas grandes grifes internacionais. Essas coleções intermediárias mostram propostas bem comerciais, com produções prontas para usar, sem grandes conceitos ou inovação.
"Elas atendem a uma demanda e a uma necessidade do mercado", diz a consultora de moda
Lilian Pacce. Além de aplacar a ansiedade de consumidores, que demandam algo novo, o objetivo é aquecer as vendas das marcas de luxo, que precisam de novidades em suas lojas. Essa era uma prática já adotada pelo
Fast-Fashion, o mercado varejista dos grandes magazines, e o
prêt-à-porter precisou reformular o sistema para se adequar à nova perspectiva do mundo da moda. Lançar mais coleções durante um ano gera uma rentabilidade significativa para a marca.
"Elas incentivam o consumo, uma vez que não é preciso esperar a nova estação para ver as novidades, e diminuem o risco de estoques de mercadoria fora de época", afirma
Richard Petric, professor de Estratégia e Marketing de Moda na Faculdade Santa Marcelina. No entanto, há quem veja riscos na prática.
"O aquecimento nas vendas com essas coleções de meia-estação pode dar uma sensação positiva, mas é possível que as vendas não aconteçam de acordo com a necessidade de retorno que o negócio precisa", diz
Roberto Davidowicz, proprietário da Uma e vice-presidente da ABEST (Associação Brasileira de Estilistas).
Na opinião da diretora de pesquisa do site de tendências UseFashion,
Patricia Souza Rodrigues, esse aumento não é tão negativo.
"Além de manter todos antenados em novidades e empregar os profissionais envolvidos na grande cadeia da moda, amplia consideravelmente a oferta e força a concorrência a se esmerar e criar novos modelos de negócios, em todas as faixas de preços." Patricia cita o modelo sueco representado pela H&M, que oferece design a custo baixo e acessível. Depois de nomes como
Stella McCartney e
Karl Lagerfeld, a rede de
fast-fashion anunciou, recentemente, uma parceria com a Lanvin, que desenhará uma coleção especial para marca.
A ideia de tantas coleções agrada aos consumidores, que têm novidades a todo momento. Quem cuida do negócio também aprova, uma vez que a velocidade gera um maior fluxo econômico. Do lado oposto, as "cabeças pensantes" do universo fashion ficam fatigadas. A obrigatoriedade de coisas novas e surpreendentes durante o ano todo pode minar a criatividade dos estilistas e prejudicar, inclusive, a qualidade e o diferencial do que eles apresentam. Cada um lida com a pressão e com o fluxo criativo de uma determinada forma. Há aqueles que vão se acostumar com a onda de "novidade sempre" e continuarão a produzir com frescor. Outros não se adaptarão e o reflexo estará em suas coleções. No mundo ideal, a saída seria um mercado que respeitasse o fluxo de trabalho dos artistas e proporcionasse equipes maiores para ajudá-los. No entanto, essa é uma realidade utópica em um mundo onde apenas os mais aptos sobrevivem. E, como a moda parece estar sempre à frente, a resposta a esse dilema deve apontar o rumo de várias outras profissões que vivem a mesma contradição, da criatividade versus produtividade.