Muitos conflitos relacionais seriam facilmente contornados se homem e mulher se dessem conta de que são diferentes. Desatentos a esse fato, porém, ambos avaliam como errados atributos que, na realidade, são compatíveis com a rota do desenvolvimento de cada um deles.
Um bom jeito de dar um salto qualitativo nesse quesito seria não se precipitar em avaliações, julgamentos e críticas e admitir a possibilidade de não compreender modos, hábitos, conceitos e visões de mundo do parceiro ou da parceira.
Não menos importante é abrir-se para conhecer a realidade do outro e apreciá-la como quem a vê pela primeira vez. Isso é difícil, pois requer a suspensão de um falso saber, a admissão de um não-saber e a disposição para vir a saber o que caracteriza a pessoa com quem se convive, em razão de ela ser representante de um outro universo: o masculino, no caso da mulher; o feminino, no caso do homem. O "femininês" e o "masculinês" são línguas diferentes, por assim dizer. É bobagem querer tratá-las ou decodificá-las como se fossem um mesmo universo de valores, como se os termos, os gestos e os caminhos adotados tivessem os mesmos significados. O julgamento e a crítica são o "caminho fácil" e a "defesa" que mais rapidamente se ativam: se não compreendo, está errado! Difícil é o caminho saudável: se não compreendo é porque estou preso a minhas autorreferências. Homens não são mulheres com defeitos. Mulheres não são homens com defeitos. Já escrevi sobre a facilidade com que o homem lida com imprevistos e improvisos, ao passo que o feminino predispõe a mulher a organizar-se e planejar-se. Isso não significa que mulheres sejam incapazes de improvisar nem que homens não possam planejar.
Quero enfatizar não tanto as diferenças propriamente ditas, mas a atitude que me parece correta e saudável frente a elas. O homem há de admitir que sua perspectiva masculina não o capacita a compreender as diferenças de sua parceira. No homem, o feminino não é dominante. Precisaremos compreender que é o feminino, no homem, o setor que deve ser acessado para desenhar-se o olhar com o qual a mulher será vista. Esse feminino precisará ser buscado, será necessário que o homem o deixe aflorar. Basta admitir que a perspectiva masculina não é a única possível. Silenciando-a e colocando-se em franca disponibilidade para perceber o outro em sua alteridade, o homem conseguirá atingir o seu intento.
Reciprocamente, a mulher precisará tolerar o silêncio de sua perspectiva e dominar qualquer desejo feminino - maternal, talvez - de submeter o homem a seu jugo. Só então terá olhos para seu homem, com respeito e admiração. É o masculino nela que a capacita a vê-lo e a aceitá-lo como ele é e como ele pode ser.
"Vejo meu bem com seus olhos/ E é com meus olhos/ Que o meu bem me vê", diz a letra da canção Meu Namorado, de Edu Lobo (67) e Chico Buarque (66). Se eu insisto em ver a pessoa que amo apenas com meus próprios olhos, eu certamente a forçarei a se encaixar na moldura de meu espelho. Isso não vai me levar a lugar algum - exceto, quem sabe, ao ressentimento de quem eu acredito amar.