...riqueza, o inglês Ronald Biggs assaltou em 1963 um trem pagador. De 1966 a 2002, ele viveu no Brasil como foragido, do provençal forreissit, aquele que deixou sua jurisdição.
Doceta: do grego
doktaí, doceta, do verbo
dokéo, parecer. Os docetas, adeptos do docetismo, foram hereges do primeiro século de nossa era. Defenderam, entre outras coisas, que
Jesus não tinha um corpo. Docetas ilustres aparecem no romance
O Nome da Rosa, do italiano
Umberto Eco (74). É provável que
São João (século I) tenha pensado neles ao escrever o seu Evangelho e defender com ênfase que
"o Verbo se fez carne e habitou entre nós". Fez questão também de dar detalhes da crucificação. Existiram 315 evangelhos, mas o Primeiro Concílio de Nicéia, no século IV, reconheceu só quatro como canônicos, isto é, que atendem às regras dogmáticas da Igreja. Deveria ser grande a preocupação com os docetas, pois de São João, que os combatia, foram adotadas também três epístolas e o
Apocalipse. O evangelista, natural de Betsaida, era o discípulo preferido de Jesus. Foi confundido com
Maria Madalena na interpretação que o jornalista
Dan Brown (42) faz do quadro
A Última Ceia, do italiano
Leonardo Da Vinci (1452-1519), no livro
O Código Da Vinci, já transposto para o cinema.
Foragido: da expressão latina
fora exitu, saído, no sentido de fugir para escapar à Justiça, pelo provençal antigo
forreissit, designando o que deixou o fórum, não o prédio onde funcionavam os tribunais, mas a jurisdição na qual vivia e onde as leis o alcançavam. No sentido atual, designa o cidadão que vive escondido, até em outro país, com leis diferentes do lugar onde nasceu, nem sempre clandestino, mas, ao contrário, à vista de todos, como fazia o ladrão inglês
Ronald Biggs (77), que morou no Brasil de 1966 a 2002, após fugir de uma prisão inglesa. Seu crime foi assaltar, em 1963, um trem pagador que levava 2,6 milhões de libras (algo como 10,5 milhões de reais) de Glasgow, na Escócia, para Londres, na Inglaterra. Foragido é também, para o dicionário
Houaiss,
"o indivíduo que foge da polícia por haver cometido um delito, ou que foge da prisão onde cumpria pena, escondendo-se em lugar incerto".
Lança: do latim
lancea, lança, arma de ataque dotada de ferro na ponta da haste, em geral de madeira. Certa igreja da Armênia guardaria a ponta da lança com a qual um soldado romano trespassou o peito de Jesus, de onde
"saiu sangue e água", segundo o
Evangelho de São João. Mas a relíquia é disputada por uma igreja de Viena. A tradição cristã conta que foi o centurião
Longino (século I) quem trespassou o peito do Crucificado com a lança quando os soldados foram tirar o corpo da cruz. Ao fazê-lo, o sangue espirrou em seus olhos, curando-o de uma inflamação. Convertido,ele foi depois martirizado. No Brasil, o santo é conhecido como São Longuinho e é invocado para achar objetos perdidos com esta prece simplória:
"São Longuinho, São Longuinho, se eu achar (nome do objeto), dou três pulinhos". Quando a pessoa encontra o objeto, precisa cumprir a promessa. Há, por força de tal crendice, uma imagem cômica do santo, já usada em publicidade. Personagem lendário, provavelmente seu nome veio do grego
lógkhé, lança.
Miscelânea: do latim
miscellanea, misturas, plural neutro de
miscellaneum, misturado, designando originalmente a alimentação dos gladiadores romanos, composta de ingredientes diversos, sem preocupação com o sabor ou com a nutrição, já que quase todos morriam no circo onde se exibiam, em geral o Coliseu, cujas ruínas ainda hoje impressionam os turistas. Por metáfora, passou a ser aplicado a outras reuniões, como a de textos de diversas procedências, de um ou mais autores.
Rico: do gótico
reiks (pronunciado
riks), poderoso. O espanhol rico e o italiano ricco atestam que talvez essas línguas, como o português, acolheram o gótico sem o "s" final, acrescentando-lhe "o". Etimologicamente, rico e pobre procederam de modo idêntico para formar riqueza e pobreza. Ambas as palavras surgiram pela adição do sufixo
"eza".
"A riqueza é o nervo das coisas", disse o orador grego
Demóstenes (384-322 a.C.). Já o poeta e dramaturgo inglês
William Shakespeare (1564-1616), em
As Alegres Comadres de Windsor, faz o cavalheiro Ford dizer, na cena II do Ato II:
"Se o dinheiro vai na frente, todos os caminhos se abrem." Ao que retruca Sir John Falstaff:
"O dinheiro, senhor, é um bom soldado; avança sempre". Para proteger o patrimônio, Shakespeare deixou de reconhecer um filho fora do casamento,
William Davenant (1606-1668). Esquecido no testamento, o rapaz confiscou parte do que lhe era devido e escreveu
Macbeth de Davenant, plagiando o pai. No mundo atual, a riqueza aparece sobretudo na produção e no consumo de bens supérfluos. Talvez a indústria dê razão ao dito do filósofo francês
François Marie Arouet (1694-1778), o
Voltaire:
"O supérfluo, coisa muito necessária". No original:
"Le superflu, chose très nécessaire".