Quando o papel de mãe domina a parceira, a relação se complica

Alberto Lima Publicado em 03/08/2006, às 15h05

Alberto Lima -
Quando, com facilidade, uma mulher transporta a intensidade da ligação amorosa com um homem para outro, sem intervalo, a explicação não falha: ela se compraz do estar apaixonada, mas não faz a menor diferença por quem se apaixona. O fenômeno é mais comum do que se imagina e uma investigação sobre os fundamentos desse funcionamento pode clareá-lo. Há várias facetas do feminino (a esposa, a amante, a irmã, a mãe, a bruxa, a religiosa, a fada, a heroína, a guerreira, a mediadora, a mentora, a vilã...) disponíveis para a consciência de uma mulher; são dimensões psíquicas especificamente femininas, inerentes à condição humana. Diversificá-las na composição da personalidade é fundamental para o enriquecimento da experiência de uma mulher, além de capacitála para o desempenho de diversas funções na vida. A preponderância de uma ou de poucas dessas dimensões sobre as demais resultará num empobrecimento da personalidade, com decorrências dramáticas para as uniões - e não apenas no campo amoroso. Algumas dessas dimensões do feminino se caracterizam por serem fundamentalmente relacionais, como é o caso da mãe e da esposa: a mãe depende da existência de um filho para que se justifique esse traço dominante em sua personalidade; a esposa, por sua vez, precisa de um consorte, ou entenderá que sua existência é vã. Quando os dois atributos patologicamente preponderam na composição da personalidade de uma mulher, uma das decorrências é essa: torna-se necessário que exista um "ele" para ocupar a função de depositário das doações e da devoção feminina. Basta que seja um elemento masculino, capaz de suscitar o fascínio da mulher e de lhe conferir valor, ou mesmo existência. É certo que uma "ela" pode ocupar a função de filha, mas também é previsível que não exerça o mesmo fascínio, em especial para aquela mulher que já se imagina incompleta pelo simples fato de ser mulher e precisa do homem para preencher suas lacunas. Algo análogo se poderia ponderar em relação a uma parceria amorosa homossexual. Isso nos leva a concluir que, se o importante é apenas que exista um "ele", tanto faz quem seja. A mulher com tal dificuldade emocional estrutura suas uniões de modo a que o parceiro ocupe uma posição passivo-receptiva: na qualidade de "filho", lá estará para meramente nutrir-se dagenerosidade da "mãe", sem que possa oferecer reciprocidade; na posição de marido, será coadjuvante para a cena da protagonista. Essas estruturas relacionais incluem um paradoxo: se, de um lado, a mulher parece acentuar o valor do homem, objeto de sua devoção, de outro ela o infantiliza ou desqualifica ao se tornar imprescindível para ele. Ela só dá; ele apenas recebe. Isso a torna poderosa, mas inviabiliza a experiência que talvez mais queira: a vivência amorosa. Não pode haver amor onde há poder ou controle e inexiste a chance de reciprocidade. O que contribui para a perpetuação desse tipo de funcionamento é o fato de a mulher se sentir consistente. Ela entende que ama, então existe. A individualidade do outro não importa, pois é mero pretexto para o exercício do poder feminino. Para o homem, as coisas se dão de modo diferente. Em vez de se sentir consistente, ele acha que se perdeu. Dissolvido numa espécie de perda de identidade, se vê refém da amada. E se anula diante da importância dela. Se a mulher que descrevi encontrar um homem que por ela se perca, o desenlace será trágico: eles entenderão que se amam, quando na realidade estarão vivendo uma tragédia mitológica dificílima de superar. A mulher vai precisar aprender a receber e o homem a se frustrar para, a partir do sentimento de falta, preservar-se inteiro; além disso, ele terá de frustrar o intento da mulher, ou não experimentará o prazer de também propiciar.
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