...Designa quem fala só um idioma. Com a globalização, ele enfrenta problemas. Ou se torna poliglota ou pode ver a carreira caminhar para o ocaso, do latim occasum, que significa cair, ou decadência, no figurado.
Arremedar: do latim vulgar
reimitare, imitar de novo. E imitar significa reproduzir a imagem, de imago, imagem ou semelhança, em latim.
Patrícia Galvão (1910-1962), mais conhecida como
Pagu, apelido que ganhou de
Raul Bopp (1898-1984), quando este pensou que ela se chamasse Patrícia Goulart, fez versos em que põe uma gata a arremedar:
"A minha gata é safada e corriqueira.../ arremeda 'picassol',/ trepa na trave do galinheiro e preguiçosamente escancara a boca e as pernas./ A minha gata é vampira.../ Mimo de um italiano velho e apaixonado,/ General-de-brigada,/ Dois metros de altura,/ Pelado e sentimental./ Atavismo, o luxo da minha gata é o rabo,/ ela pensa que é serpente..."
Gajo: provavelmente do caló, língua dos ciganos espanhóis, ou do dialeto cigano
gachó. Quer dizer indivíduo, tipo, sujeito, mas em sentido pejorativo. Os arabistas espanhóis transcreviam como "ch" a pronúncia da quinta letra do alfabeto árabe, pronunciada "dj" na Ásia e "j" nos países bárbaros. Outros dão o vocábulo como redução de gajão, que teria sido transcrito gachón, variante de gachó entre os ciganos, mas com o significado de tratamento cerimonioso para pessoas estranhas, equivalente a "meu senhor". Aparece no seguinte trecho de
Memórias de um Rufiã Lisboês, de
Orlando Neves (1935 -2005), escritor português, formado em Direito, famoso por ter driblado a censura de seu país em peças que adaptou para emissoras de rádio particulares, das quais se descuidou um pouco o regime ditatorial que se findou com a Revolução dos Cravos, em 1974:
"Um dia, ia eu com o Zé Nunes, um gajo porreiro, da minha criação, que só tem um defeito que é ser maricas, apareceu-nos a Toina na frente. Os lúzios da Toina são um pasmo. As pernas e as chuchas também. A gente olha para os olhos da tipa e fica com uma bebedeira. Não sei se me entendem." É provável que os brasileiros tenham de ir ao dicionário para entendê-lo. Rufiã é cafetão; porreiro tem aqui sentido de prestativo, mas significa também malcriado;
lúzios são olhos; pasmo é o mesmo que assombro, que provoca admiração;
chuchas podem ser os seios.
Monoglota: do grego
mónos, um, único, solitário, e do grego ático
glôtta, língua. O vocábulo nasceu tardiamente na língua portuguesa, em oposição a poliglota, aquele que fala ou escreve em muitas línguas. Poliglota aplica-se também a aves capazes de produzir muitos sons e arremedar o canto de outras. O escritor francês
François Voltaire (1694-1778) defendia que os jornalistas dominassem várias línguas e não fossem monoglotas, ainda que em francês, o que é muito diferente de ser monoglota de outra língua. Escreveu no livro
Conselhos a um Jornalista que era indispensável aos que escreviam na imprensa saber grego, pois
"sem esse conhecimento o jornalista terá de muitas palavras francesas apenas uma idéia confusa". E propôs um teste simples.
"Escolhe dois jovens, dos quais um saiba essa língua (a grega) e outro não; dos quais nem um nem outro tenha a menor noção de anatomia; que ouçam dizer que um homem está com diabetes, que outro deve sofrer uma paracentese, que outro ainda tem anquilose ou uma bubonocele: aquele que sabe grego entenderá imediatamente do que se trata, porque percebe como essas palavras são compostas; o outro não entenderá absolutamente nada."
Ocaso: do latim
occasum, ocaso, supino (forma nominal) de
occidere, cair. A palavra também deu origem a ocidente, do latim
occidente, declinação de occidens, ocidente, poente, quem ou aquilo que está caindo. No sentido figurado, é decadência. O poeta mineiro
Alphonsus de Guimaraens (1870-1921) ofereceu-nos bonita concepção de ocaso, no sentido metafórico, nestes versos do sétimo soneto da Parte II de
Dona Mística, intitulada
Electa Ut Sol:"A dor imaterial que magoa o teu riso,/ Tênue, pairandoà flor dos lábios, tão de leve,/ Faz-me sempre pensar em tudo que é indeciso: luares, pores-de-sol, cousas que morrem breve."
Percepção: do latim
perceptione, declinação de
perceptio, ação de perceber, que vem de
percipere, formado a partir de
per capere, pegar. Nas línguas, a percepção é relativa, como nos mostra o professor
Afrânio da Silva Garcia (54) em Estudos Universitários em Semântica, obra publicada este ano pela Edição do Autor, do Rio de Janeiro. Para ele, o campo semântico das cores varia de acordo com a percepção. Os esquimós distinguem somente três cores: o azul, o verde e uma terceira que inclui o vermelho e o amarelo juntos.
"Os navajos têm duas palavras distintas para designar o que os ocidentais identificam como negro: uma, se estão se referindo a uma cor negra de superfície; outra, se o que querem designar é ausência de luz." Às vezes, o relativismo é também lingüístico, como no caso do inglês, que usa a palavra parrot para designar o papagaio, o periquito e a arara, deixando de lado
parakeet e
macaw, existentes na língua, mas pouco referidos por serem estas aves muito raras nos Estados Unidos e na Inglaterra. Já o português precisa constantemente referir e distinguir com precisão os três tipos, comuns no Brasil e na África de língua portuguesa.