...gorgear, cuja origem é a palavra latina gurga, garganta. Já mula, animal fundamental no assado brasileiro para o transporte de pessoas e mercadorias, veio do latim mula, feminino de mulus, burro.
Arrependimento: de arrepender, do latim
repoenitere, que em português antigo deu repender. Depois, a palavra ganhou o prefixo a, o que levou à duplicação do r. O arrependimento, lamentação por uma ação cometida, existe em todas as culturas; mas na civilização ocidental se prende aos textos sagrados cristãos e suas figuras emblemáticas, como
Maria Madalena,
Pedro e
Judas. A primeira arrependeu-se de seus pecados e se tornou seguidora e amiga de
Jesus Cristo. Ou mais do que isso, segundo algumas lendas nas quais se apoiou o americano
Dan Brown (42) para escrever
O Código Da Vinci. O segundo negou que conhecesse Jesus e, arrependido, chorou amargamente. O terceiro não teve um final feliz ao se arrepender de ter traído a confiança de Jesus, pois o remorso o levou a se enforcar, depois de devolver os 30 siclos de prata, equivalentes a 30 dinheiros romanos, mais ou menos o preço de um escravo, que recebera. Os
Evangelhos dizem que ele morreu na forca, mas os
Atos dos Apóstolos dão outro final para a história: o galho onde amarrou a corda teria se quebrado e Judas, caído sobre o terreno pedregoso adquirido com o dinheiro da traição - motivo pelo qual aquela terra foi denominada Acéldama, que em hebraico significa campo de sangue, e depois transformada em cemitério de peregrinos.
Gorjeio: de gorjear, verbo formado a partir de gorja, do francês
gorge, garganta. Gorge veio do latim tardio
gurga, também garganta, por analogia com gurges, abismo, precipício, sorvedouro. Gorjear tornou-se sinônimo de trinar, verbo mais adequado do que cantar para a maioria das vozes de pássaros.
"As aves que aqui gorjeiam,/ Não gorjeiam como lá", escreveu o poeta romântico
Gonçalves Dias (1823-1864), então exilado na Europa, em um poema apropriadamente intitulado
Canção do Exílio. Quem fez da língua grega um verdadeiro gorjeio foi
Górgias (487-380 a.C.), natural de Leôncio, cidade ao norte de Siracusa. Ele chegou a Atenas precedido pela fama de ter juntado a beleza da poesia à prosa, ao criar as figuras de linguagem. É dele também a divisão dos discursos em três categorias: deliberativo, judiciário e epidítico, palavra vinda do grego
epideiktikós, demonstrativo.
"Enquanto o discurso judiciário examina o passado e o deliberativo incita a ação futura, o epidítico teatraliza o presente", diz o romancista e professor catarinense
Donaldo Schüller (73) em
Origens do Discurso Democrático, da editora L&PM.
Logógrafo: do grego
logográphos, escrita em prosa, que era como escreviam historiadores e prosadores dos primeiros séculos na Grécia clássica. Passou depois a designar o orador que escrevia, sob encomenda, discursos de defesa para clientes processados. O logógrafo antecedeu o advogado, com a diferença de que o cliente lia o que o outro escrevera em sua defesa, enquanto o advogado fala em defesa do réu. Esse tipo de processo foi muito elogiado pelo dramaturgo grego
Ésquilo (cerca de 525-456 a.C.), que viu nele poderoso antídoto contra as vinganças pessoais que grassavam em Estados vizinhos e eram fontes de crimes intermináveis, pois a cada novo morto era preciso mais um assassinato para vingá-lo - situação ainda comum em certos lugares do Brasil, como Exu (PE), onde as vinganças se sucedem secularmente. O bom discurso de defesa, segundo
Corax, que ao lado de
Tísias (ambos do século V a.C.) criou a retórica visando combater os tiranos com a palavra, deveria ter cinco partes: exórdio, exposição, argumentação, digressão e epílogo. Até hoje, três dessas partes integram a recomendação escolar de um texto bem escrito. Foram excluídos o exórdio e a exposição, fundidos em introdução, e juntadas a digressão e a argumentação, no desenvolvimento, permanecendo o epílogo, mas com novo nome: conclusão.
Mula: do latim
mula, mula, feminino de
mulus, mulo, burro, também chamado
asinus, asno. No português, mula e burro designam o muar que não se reproduz, por ser filho híbrido de cavalo com jumenta ou de jumento com égua. Mulas e burros têm passado glorioso no Brasil, já que foram o principal meio de transporte de pessoas e de mercadorias até a chegada do trem. Os tropeiros, que conduziam tropas de burros, colaboraram na criação de estradas e cidades. Por conta da forma da cangalha, posta sobre o lombo do animal para acomodar as bruacas (bolsas) de couro com as mercadorias, mula passou a designar, no século XIX, os montes de sal nas salinas, que, terminando em dois cones, se assemelhavam a esse apetrecho. Desde os anos de 1980, mula designa também a pessoa que o tráfico internacional utiliza para o transporte de drogas, em especial de cocaína. Há cerca de 10 000 mulheres presas no Brasil, cumprindo pena por terem sido mulas, segundo o Departamento de Narcóticos de São Paulo. Em geral, são jovens da classe média. Muitas se submetem até a cirurgias para o implante de drogas sob a pele.