Neste verão, boa parte dos brasileiros tem água de sobra, não enfrenta falta de abastecimento, do latim vulgar bastare, bastar, ser suficiente. Mas muitos sofrem com enchentes e com um calor altíssimo, horrível, do latim horribilis, que causa horror.
Abastecimento: do grego bastázo, levantar e levar um fardo, pelo latim vulgar bastare, levar, bastar, ser suficiente, cujo étimo está presente também em basto, abastado, desbastar, reabastecer. Abastecimento formou-se de abastecer, pelo método clássico, com prefixo "a" e sufixo "mento", como se vê em cancelamento, faturamento e outras palavras com igual terminação. As concentrações urbanas resultaram em grandes problemas de abastecimento, sobretudo de água, que a Roma imperial resolveu com aquedutos, cisternas e termas. No Rio de Janeiro, em inícios do século passado, tornaram-se famosos por dobrar o abastecimento da água da cidade em apenas seis dias o prefeito André Gustavo Paulo de Frontin (1860-1933) e Raimundo Teixeira Belfort Roxo (1838-1896), Inspetor Geral de Obras. O município de Belfort Roxo, na Baixada Fluminense, homenageia o inspetor, que resolveu sério problema de abastecimento causado por forte estiagem.
Fagote: do italiano fagotto, fagote, instrumento de sopro, de palheta dupla e tubo cônico, utilizado em orquestras. Quem aperfeiçoou o fagote, a flauta transversal de três peças e o oboé barroco, desmembrando-os de vários instrumentos de sopro ainda sem designações fixas, foi Martin Hotteterre (?-1712), pai de Jacques-Martins Hotteterre (1674-1763), também referência na música.
Horrível: do latim horribilis, horrível, que causa horror, em domínio conexo com horripilante porque, em situações de horror, medo ou pavor, barba, pelos e cabelos, do latim barba, capillus e pilus, podem ficar eriçados. Horrível passou a designar também coisa ou pessoa desagradável. O cartunista americano Chris Browne (58) está sempre presente na mídia com os quadrinhos de Hagar, o Horrível. O guerreiro gaulês, numa das tiras, após saquear os castelos ingleses, espera ser recebido como um marido herói pela esposa Helga, mas esta lhe diz: "O telhado está com goteira".
Moça: de moço, palavra de origem controversa, talvez do basco motz, mocho, raspado, designando tanto o gado sem chifres como o rapaz imberbe, desprovido de pelos e barba. Mas pode ter vindo também, ou se mesclado com alguma variante das palavras latinas mustum, mosto, suco em fermentação, vinho fresco, e musteum, jovem. Étimos semelhantes estão no francês mousse, no espanhol mozo e no italiano mozzo. Em ofícios iniciantes, como o de marinheiro de primeiros tempos, moço era o rapaz de mais de 18 e menos de 25 anos, que estava aprendendo a navegar. Por analogia, surgiu moça como sinônimo de menina púbere, a adolescente, que não é mais criança, e da qual, até os anos 1960, a virgindade era a grande virtude, indispensável ao casamento. "Moça, eu sei que já não é pura,/ teu passado é tão forte,/ pode até machucar,/ Moça, dobre as mangas do tempo,/ jogue o teu sentimento/ todo em minhas mãos". Com estes versos de Moça, lançados em 1975, o cantor Wanderley Alves dos Reis, o Wando (64), ajudou a quebrar o tabu da virgindade.
Vereda: do baixo latim vereda, caminho estreito, conexo com paraveredarius ou veredarius, cavalo que fazia este caminho, no qual ia montado viajante especial, que fazia o percurso cumprindo a função de correio do Estado. É do mesmo étimo de vereador, o político que fiscalizava e propunha melhoramentos nas vias de transporte e nos edifícios, sendo conhecido também por edil, palavra do mesmo étimo de edifício, e de enveredar, tomar outro rumo, diferente do traçado da estrada comum. É nas veredas do sertão brasileiro que João Guimarães Rosa (1908-1967) situa as tramas do romance Grande Sertão: Veredas, lançado em 1956, e transposto para minissérie de televisão por Walter Avancini (1935-2001), em 1985, e agora lançado em devedê. Tarcísio Meira (74) talvez tenha feito ali o melhor papel de sua vida, na pele de Hermógenes, o jagunço traidor, que mata o jagunço ético Joca Ramiro, pai de Diadorim, por quem Riobaldo tem grande atração, personagem e narrador do romance. Outro personagem fascinante é Zé Bebelo, cujo julgamento é um dos grandes momentos do livro e da minissérie. Ana Duzuza, mãe de Nhorinhá, a prostituta que Riobaldo tanto lembra, é vivida por Maria Helena Velasco (62). O romance retoma no fechamento a abertura: "Nonada. O diabo não há. É o que eu digo, se for... Existe é o homem humano. Travessia."