... às vezes grafam de forma errada a abreviação do pronome, do latim pronomen, Vossa Senhoria (V.Sa.) e acabam dispensando a eles, por desconhecimento, o tratamento de Vossa Santidade (VS).
Dentista: de dente, do latim
dente, declinação de
dens, dente.
Tiradentes, o nome popular de
Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), mártir e herói da Inconfidência Mineira, enforcado e esquartejado aos 46 anos, era dentista, mas esta palavra somente entraria na língua portuguesa no século seguinte. Como extraía dentes e tratava de enfermidades da boca, exercia ofício que cuidava das estomatites, inflamações internas da boca, assim denominadas porque boca, em grego, é
stomatos, que passou ao francês como
stomate. Mas o herói ficou conhecido sobretudo pelo cargo de alferes, do árabe
al-faris, cavaleiro. Tiradentes era um apelido depreciativo, pois o verdadeiro dentista recebia então a denominação de cirurgião. Fugindo de referências populares, os cursos superiores preferiram recorrer ao grego e assim surgiu a palavra odontologia, ainda que, na prática, o profissional formado continue sendo chamado de dentista ou cirurgiãodentista. Tiradentes, oriundo de classe popular, ligou-se a autoridades e a membros da elite para deflagrar a insurreição que, combatendo a derrama de pesados impostos, pretendia tornar o Brasil independente a partir de Minas Gerais. Na época, de cada dez brasileiros que estudavam na Universidade de Coimbra - o Brasil ainda não tinha universidades -, oito eram mineiros. Os inconfidentes, inspirados nos ideais da Revolução Francesa e na Independência dos Estados Unidos, pretendiam criar a primeira universidade brasileira em São João del Rei, que seria a capital da nascente república. Ironicamente, vários de seus projetos foram implantados no Brasil com a vinda de dom
João VI (1767-1826), em 1808, apenas dezesseis anos depois da execução de Tiradentes. A rainha
Maria I (1734-1816), a
Louca, foi particularmente cruel com apenas um dos condenados, justamente o pobre do grupo. Todos os outros foram condenados a degredo, exceto um dos intelectuais,
Cláudio Manoel da Costa (1729-1789), que se suicidou no cárcere. O historiador paulista
Boris Fausto (77) defende a idéia de que a memória de Tiradentes se perpetuou entre o povo pela solenidade de sua execução. A leitura de sentença durou cerca de 18 horas. A procissão que o levou da cadeia até o patíbulo, no Rio de Janeiro, foi acompanhada por uma multidão, ao som de fanfarras barulhentas e vivas à rainha, que era avó de dom
Pedro I (1798-1834) e bisavó de dom
Pedro II (1825-1891). Foi por isso que nos tempos monárquicos os dois evitaram aludir a Tiradentes. Por remorso.
Estragão: do francês
estragon, estragão, com origem remota no árabe
al-tarhun, escrito também
tarkhoun, é uma erva aromática muito usada na culinária. Quem identificou a planta no latim botânico preferiu escrever
tarchon. O médico francês
Jean Liebaut (1535-1596) e
François Rabelais (1483?-1553), frade e escritor, autor de
Gargântua e
Pantagruel, que também usou o pseudônimo
Alcofribas Nasier, escreviam
targon. As folhas do estragão dão à comida um sabor picante.
Magazine: do árabe
makhâzan, despensa, armazém, pelo francês
magasin, que deu
magazzino em italiano,
magazine no inglês e magazine no português, designando casa comercial onde são vendidos artigos de vários gêneros. O étimo árabe está presente também em armazém, originalmente
al-mahazan, o depósito, mas o "l" mudou para "r" porque o lugar foi destinado, em tempos de guerra, a guardar as armas. Com a invenção da imprensa, periódicos passaram a ser denominados magazines também, guardando remotamente o significado de armazenamento, mas de informações.
Pronome: do latim
pronomen, pró nome, em lugar do nome. A língua portuguesa tem grande variedade de pronomes (demonstrativos, adjetivos, substantivos, indefinidos e outros), mas entre os mais complexos estão os de tratamento, de que são exemplos fulano, beltrano, sicrano, a gente, homem, você, Vossa Mercê, Vossa Senhoria, Vossa Excelência, Vossa Majestade. Por desconhecê-los (e a suas abreviações), redatores de bancos e lojas às vezes mandam cartas aos correntistas tratandoos por Vossa Santidade (V.S.), em vez de Vossa Senhoria (V.Sa.), trocando as formas abreviadas. Acontece até de grafarem V.A., abreviação de Vossa Alteza, tratamento dispensado a príncipes, arquiduques e duques. Esses tratamentos evidenciam uma espécie de xibolete (
algo como uma marca registrada) da língua portuguesa, quando comparado ao inglês dos Estados Unidos, onde até os presidentes da Suprema Corte ou do país podem ser chamados de
you, ou seja, você ou tu.