...caixa dois, o dinheiro não declarado, formou-se do latim capsa, arca, e duo, dois. Felizmente, o pernicioso hábito está em xeque. Já rol, que significa lista, teve origem no latim rollus, pergaminho enrolado.
Caixa dois: da junção de dois, do latim
duo, originalmente dous em português, e caixa, do latim
capsa, arca, recipiente para guardar frutas, papéis, dinheiro ou todos os dons, como no mito da caixa de Pandora, que guardava todos os males para que não se espalhassem pelo mundo. Zeus (Júpiter) enviou a virgem Pandora, bela, insinuante, com caixinha e tudo à Terra. Nem deusa nem semideusa, mas sintética, pois criada na célebre oficina de Hefaístos (Vulcano), o cupincha-mor do líder divino, a moça ofereceu o regalo a Prometeu, cujo significado é prudente. Ele não a quis e saiu em disparada, temendo a estonteante tentação. Aceitou-a o irmão do primeiro, Epimeteu. O nome em grego quer dizer imprevidente, desmemoriado. De fato, esquecera que Prometeu o advertira para que não aceitasse presentes do chefão dos deuses. Os males espalharam-se pelo mundo, só restando no fundo da caixa a esperança. Pandora em grego significa todos os dons. Nenhum dos deuses, porém, deu-lhe sabedoria, temerosos de que tomasse iniciativas que os contrariassem. Foi a primeira caixa dois. O
Aurélio define caixa dois como "
controle de recursos desviados da escrituração legal, com o objetivo de sonegá-los à tributação fiscal" e manda conferir "
economia invisível e contabilidade paralela". A expressão caixa dois tem aparecido com freqüência na imprensa, de que é exemplo este trecho de um artigo do jornalista
Elio Gaspari: "
Caixa dois é crime tributário. Centenas de milhares de brasileiros vivem na informalidade, azucrinados por fiscais achacadores e meganhas corruptos, porque vendem melancias, prestam pequenos serviços ou oferecem badulaques nas ruas. Esses trabalhadores não pagam impostos, mas gastam o seu ganho em Pindorama. São o caixa dois da senzala. Nada tem a ver com as contas da casa-grande e dos grão-marqueteiros de contas caribenhas. Numa só campanha, esses espertalhões superfaturam e sonegam mais impostos do que todos os camelôs do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Salvador num ano."
Demiurgo: do francês
démiurge, vindo do latim
demiurgus e este do grego
demiourgós, pela formação
demio, do povo, público, e
ourgós, que produz. Para
Platão (428-348 a.C.), era o artesão divino que, conhecedor de modelos eternos e perfeitos, organizou o caos. Seu sentido primitivo é, pois, o de construtor.
Antigas seitas cristãs tinham outro conceito de demiurgo: intermediário de Deus que se responsabilizava pelo mal no mundo - inevitável, mas que não poderia ser obra divina. O redator de
Notas & Informações, do jornal paulistano
O Estado de S.Paulo, de 26 de janeiro último, utilizou o conceito do filósofo grego para criticar pronunciamento presidencial marcado pela arrogância: "
Na solenidade de assinatura do projeto da Ferrovia Litorânea Sul, na terça-feira, o presidente Lula novamente se proclamou o demiurgo do Brasil do futuro, modernizado e desenvolvido. (Em outras circunstâncias, diante de outros públicos, entra em cena o Grande Benfeitor ou o Grande Inovador.)"
Rol: do latim medieval
rollus, pergaminho enrolado, depois de utilizado para a escrita, antes de inventada a encadernação. No latim culto é
rotulus, rolo, cilindro. Por trazer relação de coisas diversas - mercadorias, localidades, mapas - ganhou o significado de relação, lista. O British Film Institute, segundo nos informa o escritor e professor
Jaime Pinsky (org.) no livro
Cultura & Elegância, publica de dez em dez anos, em sua revista
Sight and Sound, listas dos melhores filmes de todos os tempos. Faz isso desde 1952. No rol da última aparece
Cidadão Kane,
Um Corpo que Cai,
A Regra do Jogo,
O Poderoso Chefão I e II,
Contos de Tóquio, 2001:
uma Odisséia no Espaço,
O Encouraçado Potemkin,
Aurora, 8/12 e Cantando na Chuva. Todos os diretores são da Europa ou dos Estados Unidos, exceto
Yasujiro Ozu (1903-1963), que escreveu, em parceria com
Kogo Noda, e dirigiu o filme
Tokyo Monogatari, traduzido para
Contos de Tóquio, cujo tema solar é o desapontamento dos pais que visitam os filhos já crescidos e vêem neles indiferença e ingratidão.
Vanglória: de vão, do latim
vanus, vazio, raiz presente também em evanescente, aquilo que desaparece, e glória, do latim
gloria, palavra ligada aos verbos gregos
klúo, saber, e
kleo, chamar, nomear para ser aclamado, exaltar. A palavra aparece neste trecho de artigo de
Marco Aurélio Nogueira no
Jornal do Brasil de 7 de outubro do ano passado: "
Quando um partido ingressa em um estado de vanglória extrema, sai do reino razoável da política e passa a estabelecer relações instrumentais com todos os demais atores políticos, que passam a ser, para ele, objetos descartáveis, manipuláveis ou neutralizáveis." E ainda nos versos de
Medeiros Braga: "
Em troca, ainda, aliança/ Espúria e contraditória, / Sobpretextos medíocres/ Feitos de farpa e vanglória,/ Só vem abalar as crenças,/ Só vem manchar a história" (site:
usinadeletras.com.br).