Roda-viva de encontros superficiais desemboca na solidão e no vazio

por Paulo Sternick* Publicado em 02/05/2011, às 23h03

Roda-viva de encontros superficiais desemboca na solidão e no vazio -
Nunca foi fácil gostar de alguém e experimentar amor recíproco. Na atualidade, porém, há um obstáculo adicional: são poucas as pessoas dispostas a abrir mão do "festim libertário", da satisfação individualista e do prazer de ficar com quem quer que seja, sem arcar com o peso do compromisso e das frustrações inerentes a uma relação estável. E quando alguém se sente capaz de dar o passo em direção a um compromisso nem sempre encontra disposição semelhante no suposto par perfeito. Então, tome desencontros! Para dificultar ainda mais o enraizamento das relações, essa liberdade sem limites cria nos jovens um mal-estar em relação à confiança no outro. Afinal, se a gandaia está livre, leve e solta, não se pode mesmo confiar em ninguém. Num cenário assim, nutrir sentimentos e querer uma relação séria se converte em sinônimo de bancar o tolo ou a tola. O cinismo descontraído que resulta desta versão sexual do playground atinge indiscriminadamente eles e elas. De férias do amor numa sociedade que facilita os encontros superficiais por todos os meios, incluindo os tecnológicos (celulares, internet, redes sociais), muitos jovens e até adultos parecem adiar o encontro com o vazio e a solidão que resulta dessa roda-viva de encontros marcados para acabar e da ausência de vínculo amoroso. Não devemos aplicar julgamento de valor, como se estivéssemos dando sermão e fôssemos dotados da última palavra sobre o que é melhor para os humanos. Há fases passageiras de experimentação sexual e afetiva que acabam sendo superadas. Convém, no entanto, lembrar que os atalhos para escapar de relações consistentes causam euforia e sentimento de triunfo incoerente com a precariedade deste comportamento - que certos psicólogos de varanda desejam transformar em evolução natural das sexualidades. O fato é que hoje não há mais a opressão que transformava o casamento numa prisão infinita. O amor passou a ser o principal critério que une e mantém junto - ou não - o casal. A cultura mercantilista e hedonista na qual vivemos é que tenta algemar os seres com a sedução do gozo permanente e incondicional. Conforme observa o ensaísta e romancista francês Pascal Bruckner (62), autor de O Paradoxo Amoroso, vive-se a era do "gozar contra". O deleite tornou-se uma "arma apontada para o mundo, impregnada de raiva e rancor, não uma felicidade compartilhada com um ser". Em relação a esta abordagem, eu iria à casa de câmbio do conhecimento e trocaria um pouco de sociologia por um punhado de psicanálise: a arma é apontada, isto sim, contra o sofrimento no amor, a decepção com as pessoas e a dor de separações ou traições. A rebelião mira os opressores subjetivos, a galeria interna de seres reais e imaginários (inclusive pais), e fatos que causaram mágoa, dor e ressentimento. O risco é dar a volta por cima e repassar, com rigor, o ultraje, infligindo-o a outras pessoas, ao invés de superá-lo. Antigamente, eram as mulheres as principais vítimas das atitudes hedonistas de seus parceiros levianos, mas a banalização da vida e o tsunami consumista que também arrastou a sexualidade envolveram igualmente as mulheres. Os dom-juans desapareceram frente ao assédio - na feliz expressão de Bruckner - das donas-juanas! E os homens passaram a sentir mais temor e tremor frente ao sexo feminino, que saiu do armário, revelando a força de sua libido.
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