À noite, quando uma mãe põe o filho para dormir, dirigindo-lhe palavras meigas, cantando cantigas de ninar, os embates e as malcriações ocorridos durante o dia ficam esquecidos, como se não tivessem ocorrido. É um momento mágico de encontro de afetividades limpas e um bálsamo regenerador das inevitáveis angústias e conflitos da relação.
Quando a mãe e/ou o filho carregam ressentimentos no momento do encontro amoroso, uma inquietude se aloja na alma dos dois, impedindo a entrega total e a renovação das subjetividades. A mãe, diante de seu bebê amado, tem a capacidade de divalência, isto é, de fazer uma separação absoluta entre a raiva e o amor. Fico impressionado com as mães que logo após uma discussão com o marido, por exemplo, conseguem, no momento seguinte, expulsar os sentimentos negativos e se relacionar com seu bebê como anjos imaculados.
Por outro lado, existem mães que ao colocar o filho na cama têm o seguinte sentimento: "Ah, você me atazanou o dia inteiro, mas agora que precisa de mim para se tranqüilizar e adormecer está bonzinho". Esta sensação ambivalente lança uma sombra sobre a relação afetiva, tornando-a impura e retirando parcelas de sua potência recuperadora.
Exemplificando essa dualidade: uma analisanda da minha clínica percebia uma diferença entre o abraço da mãe e o da babá. O abraço da primeira não proporcionava plena sensação de bem-estar, enquanto os abraços totalmente abertos da babá eram um refúgio. Por que o abraço da mãe não seria satisfatório, afinal? Pode ser que ela tivesse, mesmo nestes momentos especiais, a habitual ambivalência, em que amor e ódio ocupam um mesmo espaço, impedindo a manifestação plena dos afetos e não conseguindo transformar a ambivalência de sentimentos em divalência, isto é, não podendo realizar no momento da intimidade uma separação radical entre os sentimentos negativos e os positivos.
Encontramos estes mesmos desenhos, com as devidas modificações, no relacionamento amoroso de casais adultos. Passado o período da paixão, quando as diferenças não entram em pauta, aparecem os inevitáveis conflitos com os conseqüentes sentimentos de frustração, raiva, medo e insatisfação. Se o casal ou um dos parceiros armazenar estes sentimentos negativos, levando-os para todos os momentos da relação, especialmente para a hora do carinho e do sexo amoroso, não será possível um encontro despojado, purificado. A restauração será incompleta e o descontentamento penetrará cada vez mais no mar das almas, até que a convivência entre o casal perca a sua razão de existir.
Se os dois sentirem as brigas e as picuinhas como contingentes, a relação torna-se diferente. No encontro amoroso vigorará só o essencial, ou seja, o amor terno, a admiração, o enlevo, a interpenetração apaixonada das carnes e das almas. Esta experiência será tão extraordinária e sublime que os parceiros desejarão repeti-la sempre e sempre. A relação de casal valerá a pena, apesar dos embates das personalidades no convívio diário mas que desaparecerão na hora do encontro mágico, proporcionando um transcendente sentimento oceânico pelo qual vale a pena lutar.