Desde que foi descrito, em 1943, pelo psiquiatra austríaco Leo Kanner, até os anos 1960, o autismo envolvia apenas a dificuldade que certas crianças tinham de manter contatos afetivos. A culpa recaía, de forma equivocada, sobre o comportamento frio e distante de algumas mães. Com os avanços na área de psiquiatria infantil, tal definição precisou ser corrigida e ampliada. Hoje, o que era visto como trauma ou doença passou a ser tratado pelos médicos como transtornos do espectro autista (TEA). Transtorno porque tem várias causas não detectáveis com exames de laboratório. E, no plural, porque o problema se manifesta em diversos graus de intensidade.
O autismo resulta de falhas na comunicação entre as células cerebrais, chamadas neurônios. Isso interfere no funcionamento das áreas que controlam a comunicação e a linguagem, a capacidade de interação e o comportamento. Há várias causas que podem levar a esse "defeito", como desarranjo biológico na formação do cérebro, infecções e traumas durante ou após a gestação, que acabam afetando o sistema nervoso central do bebê. Também se descobriu que existem mais de 100 genes envolvidos, interferindo de forma ainda pouco compreendida.
Hoje, há um caso de autismo a cada grupo de 150 pessoas no mundo. Estima-se que no Brasil os portadores cheguem a 1 milhão. O transtorno atinge todas as raças e é quatro vezes mais comum nos meninos. O diagnóstico não é fácil e muitos pais demoram para notar ou aceitar que algo está errado com o filho. As queixas mais comuns que ouço no consultório são: "Meu filho não fala" e "ele parece surdo, desconectado".
Entre as indicações clássicas estão os movimentos repetitivos com o corpo e as mãos, aversão ao toque, apatia e dificuldade de manter o contato olho no olho. Mas há outras: crianças com 1 e meio a 2 anos que não falam, hipersensibilidade a certos sons, ecolalia (só fala por meio da repetição de frases que ouviu), tendência ao isolamento, fascinação por água, irritação ou agressividade quando são contrariados ou saem da rotina, hábitos alimentares e interesses restritos.
Há casos mais graves, em geral associados ao retardo mental, e aqueles que passam despercebidos até pelos médicos. Estes constituem 20% a 30% dos autistas; são pessoas inteligentes, capazes de falar e com alto potencial de aprendizado. São classificados como portadores da síndrome de Asperger, homenagem ao pediatra austríaco Hans Asperger, primeiro a identificar, em 1944, crianças autistas inteligentes.
Pais cujos filhos apresentam um dos sinais citados devem levá-los a um psiquiatra infantil, profissional habilitado a diagnosticar e tratar do transtorno no Brasil. Ainda existem poucos centros de referência em diagnóstico e tratamento no país, como o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, com o Projeto Autismo, que eu coordeno.
O autismo ainda não tem cura. Mas, quando procedimentos terapêuticos e psicopedagógicos são aplicados desde cedo, os portadores podem se desenvolver e superar em parte suas limitações. O tratamento deve ser feito no mínimo durante 16 horas por semana. Usa-se remédio apenas no controle dos quadros de irritação e agressividade.