A incômoda situação do traído que deseja perdoar o parceiro traidor

Célia Horta Publicado em 24/08/2006, às 17h27 - Atualizado em 18/12/2012, às 18h57

Célia Horta -
Quem se descobre disposto a perdoar uma traição em geral vive um drama emocional. Afinal, perdoar implica passar a limpo a história de vida com o parceiro e a própria história. Um dos maiores desafios, então, é rever os próprios conceitos e até a auto-imagem. Muitas vezes a pessoa que deseja perdoar sente-se traída pela própria cabeça. Acha-se fraca, boba, enganada por si mesma, comportando-se de modo contrário ao que sempre disse e em que acreditou. Novos casais costumam selar "contratos verbais" do tipo "eu suporto tudo, menos traição!" É uma forma de se prevenir quanto ao problema ou um desejo de que, caso ocorra, o traído tenha uma postura firme e abandone o traidor. Na prática, muitas vezes não funciona. Só vivendo a experiência para saber o que fazer. Quando ocorre, muitos traídos xingam, fazem escândalo, expulsam o parceiro ou a parceira, arrumam as malas e vão embora. No entanto, quando baixa a poeira, em especial se amam o parceiro traidor, podem vir o arrependimento e o desejo de recomeçar. Por que não? Nem sempre uma traição significa mesmo o fim de tudo, embora, na hora da descoberta, até pareça. Perdoar pode ser uma demonstração de força interna e de capacidade de reformulação. Não se trata de "empurrar a relação com a barriga", claro, nem de perdoar indistintamente. É preciso avaliar cada caso. Porém, há que se cuidar para não cair em uma rigidez emocional e atrapalhar a avaliação do quadro. Frases do tipo "os homens são todos iguais" e "as mulheres são todas iguais" são típicas de quem quer acreditar que todos passarão pelo mesmo inferno. Na verdade,é só uma forma de aliviar a dor da solidão. É natural que o traído que tem dúvida quanto ao rompimento se surpreenda, pois nunca pensou em perdoar uma traição. Tem um segundo choque. Mas a postura poderá resultar em vantagens psicológicas e também para o casal, se desenvolver outro modo de ver a união e uma nova relação com o parceiro. É preciso entender o que não estava bom, o que pode ser melhorado ou deve ser mantido. Se o casal consegue ver além da traição, pode refazer o vínculo e crescer com a crise. Um sentimento freqüente no traído é de que a união nunca mais será igual. Concordo. É ótimo que seja assim. Ambos não são os mesmos em qualquer dia seguinte, com ou sem traição. Estão sempre mudando e é isso que lhes dá esperança de poderem melhorar. É comum o traído perder a confiança nooutro ou na outra e ter dúvida se é possível continuar. Na realidade, quem acredita em garantias eternas pode estar próximo de se dar mal. Após uma traição, a pessoa tem a oportunidade de direcionar a relação à realidade e abandonar as fantasias. Poderá perceber quantas vezes desprezou indícios de que as coisas iam mal, justamente porque acreditava ser imprescindível confiar cegamente. O caminho para reconquistar a confiança é longo, claro. Mas é importante ter em mente que nunca, por melhor que seja a união, uma pessoa exerce de fato controle sobre a outra. É equivocada, ainda, a idéia de que, se perdoar, "ele, ou ela, nunca mais irá me respeitar." Depende de cada um. Muitos traidores passam a dar valor à capacidade do parceiro de acolher o deslize, o que pode modificar de modo positivo a essência do vínculo. Mas há que se cuidar para não exagerar na compreensão. Traições recorrentes podem dar origem a relações violentas, em que o respeito se esvai. Outro fator fundamental é não esquecer o que ocorreu. Mesmo sendo dramática, a experiência é válida. Deve somar, não apenas subtrair, ainda que se decida pela ruptura. Mas, se a decisão for perdoar, não pode cair na tentação de ruminar o episódio a cada discussão, pois isso corrói os relacionamentos. Por fim, se não puder ter a ajuda de um profissional, escolha bem o seu confidente. Lembre-se de que, quando tudo estiver bem, a memória do outro poderá incomodar
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