Todos interiorizamos em nosso psiquismo figuras de nossa convivência. As mais fortes são a da mãe e a do pai. Sofremos também outras influências, que diluem as primeiras interiorizações e tornam nossa personalidade complexa. Mas não é incomum que a pessoa, no decorrer da idade adulta, de repente mude o seu comportamento de acordo com o pai ou a mãe interiorizados. Às vezes isso é evidente e em outras, nem tanto. De um ou de outro modo, a mudança pode interferir na vida do casal.
Quando o desejo inconsciente de ser como um dos pais interiorizados na infância surge, o comportamento juvenil tende a ser substituído pela austeridade. A insegurança jovem se transforma em segurança adulta estereotipada, o que, se por um lado afeta a jovialidade e a leveza, por outro traz uma tranquilidade de quem não precisa mais buscar autoafirmação. Seu andar adquire um balanço senhorial, suas falas soam categóricas, suas afirmações são feitas em tom de sabedoria ancestral.
Na minha experiência clínica conheci duas situações exemplares desse comportamento. Em uma delas, um esquizofrênico internado, ao atingir a idade que o pai tinha ao morrer, transformou-se de submisso e vacilante em arrogante e seguro, o que interpretei como uma emergência da identificação paterna. Na outra, uma jovem, ao se tornar mãe, passou de uma sexualidade exuberante a uma sexualidade quase nula, situação que persistiu para além da recuperação da capacidade física.
Tal mudança pode ter a ver com a identificação com uma mãe imaginária, que, por não ter revelado sua sexualidade, deu à filha a impressão de que ela é "feia", "suja", incompatível com o puro amor materno. Certamente essa identificação perturba a vida do casal. O marido sente-se rejeitado e insatisfeito e pode vir a atribuir a perda de um prazer que é importante para ele ao aparecimento do filho, que, na fantasia masculina, se torna rival. Essa concepção negativa da sexualidade está desaparecendo e os casais se comportam mais ou menos livremente diante dos filhos, fazendo com que o carinho sexual seja um acontecimento natural. Mas ainda há mulheres que em criança viveram em lares nos quais o sexo era algo misterioso, oculto, proibido, obsceno, sórdido. Estas, ao se identificar com a mãe e com a ideologia do lar, passam a ficar pouco à vontade com ele, que é sentido como incompatível com o exercício da maternidade. Aqui temos uma confluência de motivações. Muitas mulheres precisam exercer forte repressão para negar os aspectos de deleite sexual no cuidado dos filhos. O próprio prazer sentido quando o bebê suga o seio tem um componente sexual que grande parte delas nega, porque sente a sexualidade como elemento espúrio e corrosivo da relação. Essa negação pode se estender à sexualidade em geral, inibindo-a e criando problemas de relacionamento que podem até levar o casal a separar-se, com o marido buscando satisfação afetivo-sexual em outras paragens. O desinteresse pelo sexo por parte de uma mulher que se tornou mãe pede intervenção psicoterápica para estabelecer o equilíbrio de um casal que agora conta com mais um membro em sua dinâmica familiar mas que nem por isso precisa deixar de ser um casal.